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Gandula

02/07/2002

A história oficial da Copa

MARCOS GUTERMAN
Colunista da Folha Online

A Copa do imponderável terminou, afinal, de forma previsível, com a decisão entre Brasil e Alemanha e o merecido triunfo brasileiro. Mas o jogo do título, um respeitável clássico do futebol mundial, mascarou o que se viu ao longo da competição: uma espantosa mediocridade, com a notável exceção de Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho.

A história oficial desta Copa, no entanto, será escrita com tintas épicas, para que a tibieza exibida nos gramados se transforme, como mágica, em heroísmo e força. Uma boa edição de imagens, com música vibrante ao fundo, ajudará um bocado. O resto do serviço será feito por meio de uma deliberada distorção da memória: o torcedor será convidado a esquecer o que viu e a acreditar no que não viu.

Antes que essa adulteração se consolide, vamos aos fatos. A história oficial dirá que o Brasil enfrentou enormes dificuldades e conseguiu ser campeão com a melhor campanha de todos os tempos. Mas não é bem assim: a maior dificuldade que o Brasil enfrentou foi sua própria desorganização, sobretudo nas eliminatórias. Na Copa, o Brasil só teve adversários à altura de sua tradição contra a Inglaterra e a Alemanha.

A "melhor campanha de todos os tempos" incluiu uma série de jogos contra seleções ridículas, e ainda assim o Brasil teve muitos problemas, sobretudo no jogo contra a Bélgica, nos dois contra a Turquia e em vários momentos contra a Costa Rica.

Diante disso, não dá para levar a sério quando se lê por aí que, diante das estatísticas, esta seleção é a melhor de todos os tempos.

A história oficial dirá ainda que defesa brasileira foi bem, e o esquema com três zagueiros provou-se afinal correto. Mas não é bem assim: o Brasil só enfrentou ataques pífios. A baixíssima média de gols desta Copa, a pior desde 1990, é o número mais eloqüente do fiasco ofensivo, cuja exceção, mais uma vez, foi a máquina de fazer gols formada por Ronaldo e Rivaldo.

Apesar de ter enfrentado times sem poder ofensivo real, porém, a defesa brasileira mostrou-se incapaz de posicionar-se corretamente em diversas ocasiões e poderia ter sofrido muito mais gols, não fossem a boa forma de Marcos e a inoperância dos atacantes adversários.

A história oficial, finalmente, dirá que Scolari resgatou o melhor futebol brasileiro. Mas não é bem assim: quem tem olhos de ver sabe que o "melhor futebol brasileiro", perdido pela evidente ausência de um armador, dependeu de craques indiscutíveis como Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho, que superaram os óbvios defeitos táticos da seleção e foram cruciais para a conquista do título.

Scolari não é melhor do que nenhum outro treinador desta Copa. Nem pior. É igual, num Mundial marcado sobretudo pela falta de criatividade e competência técnica.

Enfim, ao torcedor que prefere a história oficial, é preciso lembrar que essa história é construída pelos oportunistas com um claro objetivo: beneficiar os responsáveis diretos pelo crescente desgaste do futebol brasileiro, ou seja, a cartolagem, campeã mundial de desmandos, e a TV, que monopoliza, explora e exaure a paixão nacional. Faça a sua escolha.

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Marcos Guterman é editor-adjunto de Mundo da Folha de S.Paulo e escreve para a Folha Online quinzenalmente às terças-feiras

Email: gandula@folha.com.br

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