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Noutras Palavras

11/03/2005

Plurais desnecessários

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
Colunista da Folha Online

O uso de termos abstratos no plural tem-se tornado bastante comum na linguagem da imprensa. Pergunta (com razão) um leitor se não há exagero na pluralização do substantivo "morte" no seguinte fragmento: "As mortes de Lys Amayo de Benedek D'Avola, 48, conselheira da embaixada brasileira em Bancoc (Tailândia), e de seu filho Gianluca, 10, no maremoto de domingo foram confirmadas pelo Itamaraty".

De fato, bastaria dizer "a morte de Lys Amayo (...) e de seu filho (...)", dado que o substantivo abstrato (que nomeia uma ação) não requer o plural. A flexão parece retirar do substantivo o traço abstrato. Veja o que ocorre no seguinte caso: "Os dados da Ecovias apontam que, até novembro de 2004, já houve 829 acidentes e 21 mortes de motociclistas". Interessa ao redator o número de mortes. Se assim não fosse, provavelmente optaria por algo do tipo "a morte de 21 motociclistas". Em outras palavras, a notícia não é a morte dos motociclistas, mas, sim, o número de mortes de motociclistas.

Há casos em que é fácil perceber a distinção de sentido entre o singular e o plural. Veja os exemplos seguintes: "Fazia grande economia de palavras" (o termo "economia" é abstrato, isto é, nomeia a ação de economizar); "Guardava suas economias havia mais de dez anos" (o termo "economias" é concreto e significa "dinheiro"); "A construção dos edifícios teve início na semana passada" (o substantivo "construção" é abstrato, pois nomeia a ação de construir); "As construções tinham estilo gótico" (o substantivo "construções" é concreto e significa "edifícios").

Talvez essa oposição entre singular (abstrato) e plural (concreto) seja o motivo da estranheza causada pelo texto a seguir: "De acordo com a secretaria, todos poderão solicitar seus ingressos num programa de proteção [a testemunhas] organizado pelos governos federal e estadual". A primeira impressão que se tem é a de que todos já podem solicitar seus bilhetes de entrada no programa. Para evitar essa impressão, bastaria usar o singular: "...todos poderão solicitar seu ingresso num programa...".

Veja outro exemplo em que o plural é desnecessário: "Foram vários dias de negociação, até que Carlos Magalhães, diretor da Cinemateca, liberou o espaço com a condição de que a programação incluísse as presenças do ministro da Cultura, Gilberto Gil, e do secretário do Audiovisual, Orlando Senna". Bastaria dizer "a presença do ministro da Cultura e do secretário do Audiovisual".

No jornalismo esportivo, a prática tem ganhado espaço também: "O técnico do Real Madrid, Carlos Queiroz, confirmou as escalações de seus principais astros: Beckham, Figo, Raúl, Roberto Carlos, Ronaldo e Zidane" ("a escalação de seus principais astros" seria o ideal); "O Figueirense terá os retornos de Cléber e André Santos ("o retorno de Cléber e de André Santos" seria suficiente).

Com um pouco de atenção, fica fácil evitar esses plurais desnecessários.
Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa, é autora de "Redação Linha a Linha" (Publifolha), "Uso da Vírgula"(Manole) e "Manual Graciliano Ramos de Uso do Português" (Secom-AL) e colunista do caderno "Fovest" da Folha.

E-mail: mailto:thaisncamargo@uol.com.br

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