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Noutras Palavras

08/04/2005

A posição das circunstâncias adverbiais nos períodos

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
Colunista da Folha Online

"O músico e compositor canadense Neil Young, 59, deixou o hospital e se recupera bem após ter sido submetido a uma cirurgia em Nova York em razão de um aneurisma cerebral, segundo informou seu agente Bob Merlis. Young foi operado há uma semana depois de ter apresentado dificuldades na visão. A cirurgia foi realizada assim que a equipe médica constatou o aneurisma cerebral por meio de exames."

O trecho acima é a reprodução de uma notícia publicada recentemente na imprensa. O mote da discussão de hoje é a posição ocupada no texto pelas expressões de natureza circunstancial.

Consideremos a expressão adverbial "em Nova York", que indica o lugar onde foi feita a cirurgia. Na posição em que se encontra, a expressão ganha muito mais relevo do que seria necessário. É possível que o redator apenas quisesse incluir a informação, afinal o texto é uma nota de pouca extensão, na qual é preciso dizer o máximo no menor espaço possível. Tal circunstância, entretanto, é externa à organização textual em si. Ao estruturar o texto, é necessário ter em mente uma intenção clara e empregar o princípio da ênfase a serviço dela.

Do modo como o texto está arranjado, entende-se que o músico se recupera bem após ter sido submetido a uma cirurgia "em Nova York", não em outro lugar. O fato de passar bem depois de ter sofrido uma cirurgia em Nova York, todavia, não é propriamente "uma notícia", como o seria, por exemplo, ele se recuperar bem de uma cirurgia realizada em algum lugar distante, onde fosse improvável o uso das mais avançadas técnicas de que dispõe a medicina atual.

Talvez a questão fique mais clara se o leitor se dispuser a extrair do texto a expressão "em Nova York" : "O músico e compositor canadense Neil Young, 59, deixou o hospital e se recupera bem após ter sido submetido a uma cirurgia em razão de um aneurisma cerebral, segundo informou...". A informação da localidade bem poderia estar no segundo período do texto. Assim: " Young foi operado 'em Nova York' há uma semana...".

Antes de prosseguir na análise da posição das expressões circunstanciais, façamos um parêntese. Faltam no fragmento duas vírgulas importantes --e o leitor atento já deve ter constatado isso. No trecho: "...segundo informou seu agente Bob Merlis", deveria haver uma vírgula após a palavra "agente", afinal Bob Merlis é o nome do agente de Neil Young e, sintaticamente, funciona como um aposto explicativo. A ausência da vírgula leva à interpretação de que Bob Merlis não é o único agente do músico. Ainda que seja possível, essa leitura é pouco provável no contexto. A outra vírgula faltante deveria estar no segmento: "Young foi operado há uma semana depois de ter apresentado...", logo após a palavra "semana". Nesse caso, há duas indicações de tempo ("há uma semana" e "depois de ter apresentado...") em seqüência, a segunda precisando a primeira. Além disso, dada a escolha das palavras, o leitor "bate o olho" no texto e tende a ler a expressão "uma semana depois" em vez de "há uma semana, depois".

Vamos experimentar colocar as vírgulas? Veja o trecho: "O músico e compositor canadense Neil Young, 59, deixou o hospital e se recupera bem após ter sido submetido a uma cirurgia em razão de um aneurisma cerebral, segundo informou seu agente, Bob Merlis. Young foi operado em Nova York há uma semana, depois de ter apresentado dificuldades na visão". O final do período poderia tornar-se mais preciso se, no lugar de "ter apresentado dificuldades na visão", fossem empregadas outras palavras --por exemplo, "depois de ter sentido dificuldade para enxergar". Às vezes, as palavras mais simples são as mais exatas.

Enfim, fechado o parêntese sobre vírgulas e vocabulário, voltemos à posição do adjunto adverbial e à intenção do texto. No período final do fragmento em questão, convém observar a expressão "por meio de exames": "A cirurgia foi realizada assim que a equipe médica constatou o aneurisma cerebral por meio de exames". Ora, a posição final em que se encontra a expressão sugere ser ela o objetivo da frase, ou seja, aquilo que realmente se pretendia dizer. Em outras palavras, a cirurgia foi realizada assim que a equipe médica constatou o aneurisma cerebral "por meio de exames", não de outra maneira.

A expressão, nesse caso, parece de muito pouca utilidade. Bastaria suprimi-la, dado que dificilmente a equipe médica terá chegado ao diagnóstico sem a realização de exames. Caso, entretanto, o redator queira manter essa informação no texto, pode, pelo menos, deslocá-la para uma posição de menos destaque. Assim: "O músico e compositor canadense Neil Young, 59, deixou o hospital e se recupera bem após ter sido submetido a uma cirurgia em razão de um aneurisma cerebral, segundo informou seu agente, Bob Merlis. Young foi operado em Nova York há uma semana, depois de ter sentido dificuldade de enxergar. A cirurgia foi realizada assim que a equipe médica, por meio de exames, constatou o aneurisma cerebral".

Veja outro fragmento, em que talvez seja mais fácil perceber o estrago provocado pela posição indevida da expressão adverbial: "A expectativa é a de que o reajuste entre em vigor no próximo domingo. Para isso, no entanto, as empresas precisarão publicar os novos valores que serão cobrados dos consumidores 'em jornais de grande circulação', conforme prevê a legislação do setor".

Aqui ocorre ambigüidade, pois é possível entender que os "novos valores serão cobrados dos consumidores em jornais de grande circulação", quando a intenção do autor é dizer que "as empresas precisarão publicar em jornais de grande circulação os novos valores". A recomendação, nesse caso, é que se use a expressão adverbial imediatamente após o verbo a que ela se refere, pois, sendo colocada após o verbo da oração subordinada ("que serão cobrados"), passa a pertencer a esta.

Se, num texto simples, cujo teor é facilmente compreensível, essas observações podem parecer algo severas, num texto mais complexo, o desconhecimento das estruturas sintáticas e dos princípios de organização pode levar à incompreensão.
Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa, é autora de "Redação Linha a Linha" (Publifolha), "Uso da Vírgula"(Manole) e "Manual Graciliano Ramos de Uso do Português" (Secom-AL) e colunista do caderno "Fovest" da Folha.

E-mail: mailto:thaisncamargo@uol.com.br

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