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22/06/2006

O craque que estava (ou não) "acima do peso" e o substantivo abstrato

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
Colunista da Folha Online

Passada a celeuma sobre o eventual sobrepeso de nosso craque Ronaldo, que já rendeu muita conversa na mídia, irritação do atacante, pedido de desculpas do presidente da República etc., resta de tudo isso uma questão lingüística que parece não ter entrado em nenhuma das pautas dedicadas ao assunto.

Afinal, o presidente Lula, o próprio Ronaldo, o técnico Parreira, enfim, o Brasil inteiro questionou se o craque estava realmente "acima do peso". Ora, como pode alguém estar acima do seu próprio peso? O que se pretende dizer é que o peso da pessoa está (ou não) acima do ideal.

Repetida à exaustão, a expressão hoje é corriqueira e talvez poucos percebam o que tem de impróprio de um ponto de vista lógico. O sujeito da frase, que deveria ser o peso, uma categoria abstrata, passa a ser uma pessoa, um ser concreto. Salvo engano, existe certa tendência, na linguagem cotidiana, ao uso de termos concretos na posição de sujeito em detrimento dos abstratos.

Frases do tipo "O espetáculo está previsto para estrear amanhã", extremamente comuns na linguagem jornalística, apresentam a mesma tendência. O espetáculo é algo concreto e ocupa a posição de sujeito da oração, mas, com um pouquinho de atenção, percebemos que o verdadeiro sujeito dessa oração deveria ser "a estréia do espetáculo" ("estréia" é um substantivo abstrato), já que é a estréia (do espetáculo) que está prevista para o dia seguinte. O substantivo "estréia" (que é abstrato como todos os que nomeiam ações) cede espaço ao verbo "estrear", que, por sua vez, passa a figurar numa formulação sintática bizarra. Alguma coisa está prevista para uma determinada data, para um momento. Após o termo "previsto", espera-se um complemento de tempo (previsto para quando?), não um complemento de assunto (previsto para quê?).

O leitor, por certo, observará outros casos semelhantes a esses. Fica, a título de desafio, uma proposta de reabilitação dos substantivos abstratos na linguagem diária. Afinal, esses termos são elementos garantidores da concisão de um texto.

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    Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa, é autora de "Redação Linha a Linha" (Publifolha), "Uso da Vírgula"(Manole) e "Manual Graciliano Ramos de Uso do Português" (Secom-AL) e colunista do caderno "Fovest" da Folha.

    E-mail: mailto:thaisncamargo@uol.com.br

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