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Noutras Palavras

20/01/2005

Sobre cacófatos e quejandos...

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
Colunista da Folha Online

Algumas construções sintáticas, embora não possam ser consideradas "erradas" ou ilógicas, desviam o leitor da informação que pretendem transmitir por lhe chamarem a atenção para associações jocosas ou inconvenientes.

São conhecidos alguns casos de cacofonia ou cacófato, situação em que a junção, no plano sonoro, da sílaba final de uma palavra com a inicial da seguinte produz um termo obsceno ou, no mínimo, fora de contexto. Em esquetes humorísticos, o cacófato, bem como o trocadilho, tem lugar garantido.

Quem nunca ouviu frases como "Havia uma pintinha na boca dela" ou "Nunca ganho nada em sorteios"? O leitor certamente vai lembrar-se de outros exemplos. No dia-a-dia das redações de jornal, quando os textos são escritos, muitas vezes, a toque de caixa, o cacófato também costuma insurgir-se.

Títulos como "Fulano marca gol de bicicleta" ou "Governo confisca gado de fazenda em Mato Grosso" já terão figurado em alguma página impressa.

A verdade é que, ao escrever, é freqüente não prestarmos atenção à sonoridade das palavras. Assim, surgem as cacofonias. Numa receita culinária, aparece a recomendação: "Use um pilão de socar alho"; numa página de saúde, o depoimento: "Emagreci graças ao cooper feito diariamente".

Exemplos desse tipo de problema não faltam. Bastante comum é a seqüência que aparece em "Nenhum segurança havia dado falta do objeto". Mais perigoso é o trecho em que, para respeitar o princípio da sintaxe de colocação pronominal, o redator lança mão da frase: "Não me teria sentado à mesa com aquela mulher se soubesse que o marido dela era tão ciumento!".

Não é, todavia, apenas o cacófato que faz a atenção do leitor ou do ouvinte/espectador desviar-se e ir passear em lugares distantes. Há construções que provocam certa estranheza e nos convidam a fazer associações semânticas inoportunas. Recentemente, texto jornalístico que informava ser um determinado político um candidato cujas propostas conseguiam conquistar a simpatia de uma parcela de seu partido foi publicado da seguinte maneira: "O candidato tem forte penetração no baixo clero".

Outro fragmento que provavelmente não terá soado bem aos ouvidos dos leitores mais sensíveis é o de uma notícia em que se informa ser o cantor James Brown acusado de estupro: "Segundo ela, Brown [James Brown], armado com um revólver, forçou relações sexuais na parte de trás de uma van em uma estrada da Carolina do Sul".

Está claro que as sentenças são inteligíveis, mas sua imperfeição reside no fato de chamarem a atenção para o não-intencional. Se o propósito do texto for a criação de humor, por exemplo, o que poderia ser um defeito converte-se em uma virtude.
Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa, é autora de "Redação Linha a Linha" (Publifolha), "Uso da Vírgula"(Manole) e "Manual Graciliano Ramos de Uso do Português" (Secom-AL) e colunista do caderno "Fovest" da Folha.

E-mail: mailto:thaisncamargo@uol.com.br

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