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Pai é Pai

25/08/2008

Uma manhã qualquer

Manhã dessas, saímos os três. Os homens dessa família. Lá fora, uma brisa leve e um sol quase invernal nos aguardava. O destino, a três quadras de casa, era a padaria. O objetivo, um rápido café-da-manhã antes do costumeiro traslado até a escola.

Na calçada, formávamos uma corrente. À direita, a mão pequena e ainda insegura do Pedro. Frágil, era a minha força que nos mantinha unidos. De tempos em tempos, um puxão daqui, um pulinho dali, livrando-o dos obstáculos do caminho, como pedras de calçamento soltas, poças d'água e dejetos de cachorros que, vejam só, teimam em não ser recolhidos por seus donos.

À esquerda do meu corpo, João segura minha mão com firmeza. Do alto de seus seis anos, caminha a passos largos, quase voando. Me puxa pra lá, pra cá, prá lá de novo, pára. Sinto sua força nos dedos, na palma. O sinal está vermelho para os pedestres. "Pepê, tem de esperar a luz ficar verde", fala em tom de autoridade para o irmão que teima em avançar quando a ordem é para que permaneçamos parados. Hipnotizados, miramos o homenzinho vermelho até que ele mude de cor.

Quando chega a hora, avançamos juntos, uma força diferente da outra, desequilibrada, me puxa, cada uma para um lado. Mas são os meus músculos de adulto que prevalecem e conduzem os meninos em direção ao outro lado da rua, para a segurança da calçada, ainda mais esburacada e cheia de cocô que a primeira.

Na padaria, tudo corre bem. Café para mim, pão de queijo para os pequenos, suco, um docinho em segredo. O João cuidando do Pedro enquanto acomodo tudo na bandeja. Ambos na mesa, cada um na sua cadeira, brincam com o porta-guardanapos imaginando-o um Transformer poderoso, sorriem um para o outro. Vibram com a chegada das guloseimas. Comemos sem choro, birra ou percalços. Fato quase inédito considerando que o Pedro tem apenas dois anos e meio e, vira e mexe, encana com alguma coisa e, contrariado, costuma verter lágrimas gordas e sentidas. Mas não dessa vez. Visivelmente feliz, ri bastante, e fala, e brinca com o irmão.

Quinze minutos depois, hora de voltar para a casa, pegar as mochilas e zarpar para a escola. A corrente novamente se forma. Mais uma vez a calçada, os obstáculos, os homenzinhos coloridos, o cocô. Na última quadra, pego o Pedro no colo, João salta outra poça, agarra a minha mão. Desequilibro, endireito o corpo, abro o portão. A corrente se desfaz numa breve correria até a garagem. Acomodo a dupla em seus assentos. Enquanto Pedro brinca com o bonequinho do Sr. Incrível, João devora um gibi. Ligo o motor. Partimos. Tudo normal.

Luiz Rivoiro é pai de João, 8, e de Pedro, 3. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha Online.

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