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Pai é Pai

05/10/2008

Uma manhã qualquer 2

Era uma manhã como outra qualquer. De repente, ouço uma pancada. Tum. Ainda meio dormindo, meio acordado, espero pelo som que sempre vem em seguida. E vem mesmo: Buáááá! Era o Pedro, que havia caído enquanto corria da sala para o quarto pelo corredor só de meia. Do "Ben 10", claro.

Na sala, o João, ainda de pijama, se dedica a ler pela milionésima vez o livrão com todas as tiras da Mafalda, sua obra literária predileta no momento. Os apelos para que ele troque de roupa são solenemente ignorados. Debruçado sobre o livro, parece estar noutro mundo. E, bem, está. Na Argentina, claro.

Levanto para encarar o dia ainda um pouco baleado pela noitada do dia anterior. Lá fora do quarto, o choro dá lugar a uma acirrada pequena discussão. Imagino que deve ter algo a ver com uma disputa por quem vai dominar o aparelho de DVD. Provavelmente deve ser o Pedro tentando assistir ao filme do "Ben 10" pela enésima vez, a despeito de o João estar vendo (ouvindo, melhor dizendo) um capítulo repetido de "Padrinhos Mágicos". Enquanto escovo os dentes, ignoro.

Começa então a luta para que os meninos se arrumem para ir à escola. Primeiro, o menor deles se recusa a vestir a camiseta. Diz que ele mesmo vai escolher a roupa que vai usar. Mais uma vez, sai correndo, ainda só de meias, até o quarto. Abre a gaveta e saca uma blusa com a estampa do Homem-Aranha. Nossa Fiel Assistente se desespera: "Mas Pedro, você foi com essa ontem! Vamos colocar o uniforme...". Ao que ele, da altura dos seus dois anos, responde: "Não!". Vai-se aí uma longa negociação, que envolve o livro do "Toy Story" e o bonequinho do Chama, um dos aliens do "Ben 10". No fim, ele até topa colocar a camiseta do uniforme, mas sem tirar a do Aranha. Bem, acho que temos um acordo.

Entre um gole e outro de café, vou cutucando o João. "Vamos lá, tira esse pijama, escova os dentes, lava o rosto, vamos João!". Lentamente, ele desgruda os olhos da Mafalda. "Não."

Com o relógio correndo e a Mãe a alguns quilômetros de distância, endureço. "Ou você troca de roupa e escova os dentes, ou vou te deixar para trás!" Funciona. Vendo minha cara de enfezado, ele pula do sofá em direção ao banheiro. Nesse momento, o Pedro volta. Quase se batem no corredor, já que cada um corre em uma direção.

De uniforme, ainda que parcialmente, Pedro ainda pisa o chão de meia. "Pedro, vamos colocar o tênis..." E ele, mais uma vez: "Não." E se manda, agora com o livro de adesivos do "Ben 10" do João embaixo do braço. "É meu! Vou levar pra escola!" Mais uma vez é hora de usar meu poder de persuasão.

Mas não dá tempo. Logo ouço um grito vindo do banheiro. "Ai, me larga! Isso dói!" É o João, tentando se livrar da última escovada nos seus cabelos. No segundo seguinte, lá está ele na minha frente, meio penteado, meio descabelado. Logo atrás, a Fiel Assistente: "Mas ele não deixa eu terminar...."

Ok, vai assim mesmo. Volto-me para o menor de todos: "Pedro, o livro é do João. Não dá pra levar para escola...". E ele: "Não. É meu". E aperta ainda mais o livro. Eita!!!! "Não Pedro, esse é do João. E olha só, tá chovendo. Vai estragar..."

Funciona. "Tá bom, mas posso pegar dois brinquedinhos?" Fazer o quê? E lá vai ele remexer a caixa de brinquedos. Volta com o Kung Fu Panda e seu mestre, Chifu. "Tudo pronto? Vamos embora, pessoal!"

No elevador, o João me questiona por que ele tem de carregar a sua mochila enquanto a do Pedro está nas minhas mãos. Ameaça um muxoxo, o Pedro brinca com os bonecos, até que chega o momento de embarcar no carro. Acomodo a dupla em seus assentos. Enquanto Pedro brinca com o bonequinho do Kung Fu Panda, João devora o gibi da "Turma da Mônica Jovem". Ligo o motor. Partimos. Tudo normal.

Luiz Rivoiro é pai de João, 8, e de Pedro, 3. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha Online.

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