Colunas

Pai é Pai

25/01/2009

Silêncio

E então chegou a vez deles. O convite partiu da avó materna. Achei simpático, mas no fundo confesso que fiquei apreensivo. "E se os meninos viessem para cá passar uma semana com a gente?" O "cá" em questão refere-se à cidade de Campinas, onde vivem os pais da Mãe, assim como duas tias-avós muito próximas e que adoram os garotos. "Claro, e por que não?", emendou a Mãe. E pronto. No domingo passado, nos mandamos para o interior. Era a primeira vez que eles (e não nós, os pais) viajavam sozinhos. "Ué, mas por que não?", repetia para mim mesmo o tempo todo. Horas depois, eu e a Mãe pegaríamos a mesma estrada no sentido inverso com destino à capital. No rádio, a música mais alta não conseguia abafar o silêncio do banco traseiro, completamente vazio pela primeira vez em anos.

Não tenho dúvida que a decisão foi acertada. Na casa da avó, além do saudável e inigualável mimo ao qual os dois seriam submetidos, teriam a chance de mudar a rotina, frequentar lugares diferentes, conviver com outras pessoas, dormir longe de casa e, quem sabe, até sentir saudade do papai e da mamãe! O fato é que desde que havíamos voltado das férias, os garotos estavam tendo de se contentar com uma rotina um pouco mais caseira. Afinal, nós, os pais, não estávamos mais de folga. Coube à nossa fiel ajudante a tarefa de entretê-los, levando-os ao clube, à pracinha, à livraria do shopping, enfim, fazendo de tudo um pouco dentro do possível para que eles tivessem um dia com cara de férias.

Mas isso só não bastava. Durante o período pré-casa da vovó, a Mãe, incansável, todas as noites se pendurava no telefone em busca de alguma outra mãe cujos filhos se encontravam em situação semelhante. "Oi, o Matheus está por aí? E que tal se ele e o João se encontrassem para brincar amanhã?", sondava ela. E, na maioria das vezes, dava certo, já que, como notamos, estávamos todos no mesmo barco neste janeiro chuvoso e atípico de verão. Mas aí veio o convite da vovó, e em Campinas ficaram os meninos. Por quase uma semana que para mim pareceu um mês ou mais.

Na primeira manhã sem eles, deu para perceber que tudo, absolutamente tudo, estava diferente em casa. O Pedro não chamou pela Mãe logo cedo (ainda que ela insista que tenha ouvido pontualmente às 7h06 o inconfundível: "Mamãe, acordei! Estou aqui no meu bercinho!") e os passos rápidos do João não ecoaram pelo corredor. Não houve disputa pelo programa de TV, ninguém saltou sobre mim na cama. Era só silêncio. Uma paz estranha, distante da normalidade. Muito pior que a algazarra, tenho hoje plena convicção, é o vazio. A ausência de qualquer som, seja uma risada, um grito, uma queixa, um choro, até mesmo um xingo, um desaforo ou palavras tão comuns como "papai" ou "mamãe".

O mais esquisito de toda essa situação é que não era a primeira vez que nos afastávamos. Desde o tempo em que o João era pequeno, a Mãe e eu costumamos dar umas escapadas, em viagens só nossas, como que para respirar um pouco e lembrar que além de pai e mãe, também somos um casal, homem e mulher, ora pois. Sempre defendi isso e, em todas as ocasiões, os meninos se comportaram muito bem na companhia de avós e tios, dentro da rotina e devidamente acomodados no lar doce lar. Mas dessa vez foi diferente. Fomos nós que ficamos em casa, enquanto eles se foram, nos deixando a sós com o seu silêncio, que a cada dia parecia aumentar e a tomar conta não apenas dos quartos, sala, corredor e cozinha, como também de nós dois.

Mas logo logo isso tudo acaba. Embora eles tenham ficado muito bem na casa da avó (o Pedro disse inclusive que agora "dorme sozinho" e o João me contou que criou um personagem de quadrinhos novo, o Super Menino!), hoje é dia de buscá-los. E decretar em caráter irrevogável e definitivo o fim desse abominável silêncio!

fim

Luiz Rivoiro é pai de João, 8, e de Pedro, 3. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha Online.

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