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Pai é Pai

22/02/2009

Um dia no parque

Sábado passado foi aniversário do João. Sete anos. Idade importante, distância considerável já percorrida rumo à razão. Como parte dos festejos, eu e a Mãe havíamos combinado de levá-lo, em companhia de outros cinco amigos do peito, ao Parque da Mônica. E como jamais devemos faltar com a palavra para com uma criança, às 10h lá estávamos todos diante da bilheteria Eu, a Mãe, o Pedro e os seis cavaleiros do apocalipse. Só mesmo um instante de insanidade ou uma conjunção astral explica como eu, um cara sensato, tenha proposto tal aventura. Mas tudo bem, a festa estava só começando.

Pra quem não conhece, o Parque da Mônica é um complexo de diversão muito bem acomodado no abafado e claustrofóbico subsolo de um shopping de São Paulo. Sou fã de Maurício de Sousa desde criancinha, assim como o João e o Pedro. Não há como negar o seu talento e faro para os negócios, mas bem que ele podia, de vez em quando, dar um pulinho no parque que leva o nome de sua mais famosa criação. Ali se depararia com atrações ultrapassadas, espaço apertado, calor infernal, lanchonetes lotadas e toda a sorte de vendilhões do templo tentando o tempo todo empurrar alguma "lembrancinha" de gosto duvidoso a pais incautos e crianças ensandecidas. Sim, pois por mais que tudo ao redor me pareça decadente e abusivo (para entrar, menores de 12 anos pagam 39 reais!), eles simplesmente adoram o lugar. Talvez seja por isso que tão poucas melhorias venham sendo feitas ao longo dos anos. Talvez por isso Maurício não costume dar as caras por ali.

Mas tudo bem, o que importa é que os meninos estavam animados e quando finalmente foram abertos os portões voaram em direção ao "bate-pneu", a melhor atração do lugar, espécie de carrinho bate-bate turbinado. Ainda que a pista seja pequena para a quantidade de veículos, os garotos se esbaldaram. Como ainda era relativamente cedo, não havia filas e eles puderam emendar duas sessões seguidas de trombadas e rodopios. Nada mal. Até aí, estávamos todo de acordo. Pelo menos por enquanto.

Logo na entrada, já antevendo possíveis conflitos etários, decidimos dividir o nosso grupo. A Mãe ficaria com o Pedro, fã incondicional da cama elástica e dos tijolinhos de espuma. Os demais ficariam sob minha inteira e única responsabilidade. E logo vi que algumas regras precisavam ser estabelecidas caso eu tivesse a intenção de sair dali vivo. A primeira delas era que eles (os seis) deveriam se manter em grupo e brincar juntos no mesmo brinquedo. Em hipótese alguma, jamais, nunca, deveriam se separar. A segunda é que a decisão sobre qual brinquedo iriam caberia ao grupo. Ou seja, eles deveriam discutir entre si até chegar a uma conclusão unânime. Terceiro: cada um cuidaria de suas coisas. Ok, eu juntei todos os pés de sapato num saco e cuidei deles o tempo todo, mas todo o resto seria de responsabilidade de cada um. E quarto: nada de brigas, choro ou palavrões.

Nas primeiras duas horas quase tudo correu conforme o combinado, não fosse um dos garotos passar a perna no outro, levando-o ao chão e às lágrimas. Não tive dúvida. Assumindo meu lado sargento, fuzilei: "Na próxima vez, você tá fora. Não brinca mais!" Deu certo. Não houve próxima vez. Em grupo, conforme o protocolo, os meninos corriam de um lado para o outro. Escalavam o brinquedão, entravam a saíam da tumba do Penadinho, não se cansavam de visitar a casa do louco. Isso várias vezes. Vez ou outra, um dos garotos colava na minha camisa com cara de manha pedindo pra fazer algo à revelia da turma. Fiel à minha recém adquirida patente militar, eu simplesmente respondia: "Nada feito. Conversa com os outros, decidam em grupo". E ponto.
Enquanto isso, nem sinal da Mãe e do Pedro. Como o parque fica enterrado sob toneladas de concreto, o sinal do celular é falho e a cada minuto recebia mais e mais crianças e pais ensandecidos, devia confiar no acaso para que nos esbarrássemos.

Essa impossibilidade se mostrou especialmente grave na hora do almoço, quando eu precisava aguardar numa longa fila para conseguir alguns hambúrgueres enquanto os meninos tocavam fogo nas mesas no refeitório. Por sorte, um grande amigo meu, solteiro e sem filhos, que chegara de viagem e decidira sei lá por que nos encontrar no parque, me ajudou a controlar a turba. Ao final da refeição, ainda restavam duas horas de brincadeiras até que chegasse o momento de dizer adeus aos coleguinhas. Então dá-lhe brinquedão, casa do Louco, tumba, bate-pneu e tudo o mais de novo e mais uma vez. Foi nesse momento que a regra número 1 foi quebrada.

Enquanto cinco garotos se enfiaram no bate-pneu, outro preferiu ficar de fora no videogame ao lado. Quando terminou a brincadeira, o grupo saiu em disparada sem notar que um deles tinha ficado para trás na fila do bate-pneu. Gritei em vão até quase perder a voz, mas o barulho era infernal. A multidão havia se multiplicado e encobria os meninos, engolindo-os enquanto corriam rumo ao desconhecido. Vou? Num vou? Vencido, fiquei com o garoto que havia sobrado. Esperei que ele terminasse sua vez no bate-pneu e saímos em busca dos demais. Ele mais ansioso do que eu, diga-se.

Por um breve momento, os pensamentos aceleraram. Afinal de contas aqueles meninos estavam sob a minha responsabilidade. Por mais que soubesse que eles jamais deixariam o local sozinhos, uma série de pensamentos catastróficos insistiam em me azucrinar. Por quase quinze minutos, rodamos a esmo entre esbarrões e atropelos. Até que, num relance, avistei a turma no segundo andar. Corri até alcançá-los. Gritei até reuni-los, gritei de novo, como não pude deixar de evitar, dei-lhes uma sonora bronca. Ainda faltava uma hora e os ponteiros do relógio pareciam congelados. Ao olhar os garotos, vi que não apenas eu estava exausto. Eles estavam acabados. A saída foi levá-los ao teatrinho para um descanso. Logo depois, em companhia da Mãe e um Pedro completamente entregue, deixamos o recinto.

Lá fora, enquanto esperávamos os pais dos garotos, a algazarra recomeçou. Com os pequenos correndo de um lado pra outro com energia tirada não dei de onde meu deus do céu. Foi então a vez da Mãe assumir seu lado Capitão Nascimento e reunir todos aos pés do boneco gigante do Cebolinha. "Daqui ninguém sai até que a mãe apareça!" Surpreendentemente, ninguém contestou. Pouco a pouco, e na hora marcada, as mães foram chegando. E eu devia estar com uma cara de muito acabado mesmo porque todas, sem exceção, em perguntavam: "Mas como você conseguiu sozinho? Não enlouqueceu não?". Na impossibilidade de me jogar aos pés de cada uma, meu sorriso de alívio era o melhor que podia oferecer naquele instante. Não que as crianças tivessem se comportado mal ou coisa assim. Tirando o episódio do desgarramento, tudo havia corrido muito bem. Eles se divertiram como loucos. Meu esgotamento era físico. Havia quatro horas que estava de pé sob constante tensão. Mas agora tudo terminara. O João não cabia em si. Sorria, abraçava os amigos. Estava realmente feliz. Tudo bem João, não há de quê. Servimos bem para servir sempre. Mas dessa vez quem merece uma medalha é esse seu velho aqui.

Luiz Rivoiro é pai de João, 8, e de Pedro, 3. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha Online.

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