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Pai é Pai

08/03/2009

Hora da história

Como quase tudo na rotina lá em casa, essa também começou por acaso. Na hora de dormir, quando calha de o João ir para a cama ao mesmo tempo que o Pedro, os meninos correm para a estante e escolhem um livro. Até bem pouco tempo, a tarefa sempre coube a Mãe, que a desempenhava com inigualável brilho e infinita paciência. Vez ou outra, eu entrava no circuito, mas era exceção. Essa sempre foi a praia dela. Mas eis que um dia o João vira-se com um livrinho na mão e anuncia que ele mesmo iria ler a história para o Pedro. Minha reação instintiva foi virar-me imediatamente para o caçula aguardando o já tradicional "Mas eu quero a minha Mãe!". Engano. O que vi foi o pequeno abrir um sorriso enorme e vibrar de expectativa.

Ler histórias para as criança antes de dormir sempre foi meio que uma tradição lá em casa. Com o João, começamos bem cedo. Com o Pedro demorou um pouco mais, talvez pelo fato de os meninos dormirem no mesmo quarto e terem horários diferentes para deitar. Aos poucos, no entanto, a Mãe foi reintroduzindo a leitura, e o Pedro foi ficando cada vez mais envolvido. No cardápio, clássicos como Pinóquio, Os Três Porquinhos, Branca de Neve e os Sete Anões, A Bela e a Fera, além de obras contemporâneas de autores do calibre de Ruth Rocha e personagens como Backyardigans.

Nas primeiras semanas, o João manteve-se afastado. "Mas isso é história de bebezinho!", dizia ao ser convidado à audição, preferindo ver um pouco mais e pela milionésima vez um episódio repetido de Padrinhos Mágicos no canal Jetix. Aqui, só um parênteses: Quem diabos esses programadores dos canais de TV acham que são? Por que insistem em desrespeitar seus fiéis e pequenos telespectadores exibindo desenhos repetidos à exaustão e entupindo a programação de comerciais que não fazem nada além de estimular o consumismo desenfreado? Enfim, por que será que esse pessoal não cria vergonha na cara? Ufa! Desabafei. Mas que esses caras carecem de vergonha na cara, isso carecem.

Mas voltando à nossa rotina noturna, notei que o João foi se cansando dessa falta de respeito e do episódio no qual o Queixo Rubro entra em crise existencial e deixa o mundo à mercê do Joelho de Bronze e seus comparsas. Foi aí que ele se juntou ao Pedro na hora da leitura. Logo depois, lá estava ele escolhendo o livrinho da Pepa e se acomodando ao lado do Pedro pronto para não apenas contar, mas também interpretar a história. Sim, por que o ele não se limita a ler mecanicamente em voz alta. Ele realmente interpreta. O Pedro, por sua vez, parece hipnotizado observando o irmão mais velho. O silêncio é sagrado. A concentração, total.

Do meu lado, sentado bem em frente aos dois aboletados em cima da cama do João, observo com evidente, imenso e inacreditável orgulho a cena. Os meninos de pijama, os pés descalços cruzados para cima, as mãozinhas no queixo, o livro no colo do maior, o mais novo, curioso, se esforçando para enxergar as figuras. A Mãe ao lado de ambos cuidando, como sempre, cuidando. Até que a história acaba e o João decreta: "Fim". Os dois olham para mim e riem. "Boa noite, pessoa.l"

"Boa noite, papai."

Luiz Rivoiro é pai de João, 8, e de Pedro, 3. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha Online.

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