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Pai é Pai

27/04/2009

O que se vai

Primeiro foram as fraldas. E com elas as minhas visitas à farmácia do bairro, de onde, todas as semanas, saía com ao menos dois pacotes, um diurno, outro noturno. Mas tudo bem.

Depois, chegou a vez do berço. E com ele o trocador, trambolho que ocupava um espaço considerável no quarto dos meninos. No caso do berço, ele já tinha sido "engavetado" uma vez, quando o João completou três anos e ganhou sua própria cama. Um ano depois, no entanto, lá estava eu novamente sozinho no meio do quarto suando feito um leitão no forno tentado "reencaixar" o que teimava ser "inencaixável", mas que um dia, lembro muito bem, esteve sim perfeitamente encaixado.

Parafusos desaparecidos, arruelas perdidas, porcas inexistentes, tudo parecia sumir na hora que eu mais precisava: aquela em que você, estatelado no chão, com uma mão segura a base, enquanto com as pernas apoia o encosto, com o cotovelo segura o estrado e, claro, com a cabeça sustenta todo o resto que ameaça despencar bem em cima do nariz.

O que me consola e satisfaz é que todo esse esforço e suor derramado foram muito bem recompensados com três anos de sono tranquilo e seguro por parte do Pedro. Eis então que o tempo foi passando e o menino chegou aos três anos e, assim como fizemos com o João, decidimos que ele deveria ganhar enfim uma cama.

Da decisão à novamente hercúlea desmontagem do referido berço não levou muito tempo. Confesso que minha vontade era conduzir o procedimento de maneira rápida e indolor. Simplesmente puxando onde desse e desencaixando onde fosse. Mas como o referido móvel já estava prometido para um casal de parentes que pretende, quem sabe, um dia, talvez, procriar, lá fui eu me esborrachar novamente no chão, desaparafusando e armazenando cada parafuso, porca, arruela e que o mais estivesse ali ajustado. Par de horas depois, tarefa cumprida, berço desmontado e embalado, no dia seguinte ele já estaria em outra freguesia. E assim foi.

O terceiro a partir será carrinho. E, admito, é a perda que mais me dói. Simplesmente porque o tal carrinho em questão não é apenas um carrinho. Mas "o" carrinho. Pra começar, não se tratar de um quatro rodinhas qualquer, mas um legítimo triciclo com rodas de bicicleta feito sob medida para vencer trilhas, superar guias e ignorar solenemente as esburacadas calçadas da cidade.

Sofisticado que ele só, foi trazido especialmente sob encomenda dos EUA quando João nasceu, há sete anos. Com ele, esquadrinhamos parques, cidades, praias, países. Agora, ele está ali, sem uso, atravancando a passagem na entrada de casa. Meio como uma bicicleta ergométrica que, passada a empolgação inicial, acaba se transformando num gigantesco cabide.

Cada vez que olho para ele, revejo os momentos que os meninos eram pequeninos, ainda incapazes de caminhar ou até mesmo balbuciar algumas palavras. Lembro-me das manhãs de domingo, do Parque do Ibirapuera, das trilhas de Monte Verde, das areias do litoral norte, deles acordados, dormindo, tomando mamadeira, tentando de todas as maneiras se desvencilhar do cinto de segurança. Até aquele dia, que cada um a sua maneira e no seu tempo, conseguiu se soltar e apoiar por conta própria os pés no chão.

Talvez seja isso mesmo. Uma fase que se vai com a chegada da necessidade de caminhar com as próprias pernas. É o não se importar com o que se vai, mas com o que vem pela frente. Só me aperta o coração o fato de ninguém ainda ter se interessado por este carrinho tão bacana. Mas tudo bem. Por enquanto ele ainda está ali onde sempre esteve. E eu nunca me canso de olhá-lo.

Luiz Rivoiro é pai de João, 8, e de Pedro, 3. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha Online.

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