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Pai é Pai

09/08/2009

Pizza e balada

Queria chegar aqui hoje e dizer que tudo está muito bem. Ou ainda, que está tudo maravilhosamente bem. Mas...

Então, acontece que esta semana acabei tendo umas discussões com o João, o primogênito. Do alto dos seus 7 anos, ele vem aprontando umas e outras que me tiraram do sério. Nada muito grave, é verdade, mas algumas discussões que me levaram mais uma vez a refletir sobre algo que sempre batuco por aqui: de que, antes de ser o melhor amigo, pai é pai. E é aí a que a coisa pega.

A primeira rusga aconteceu na quarta-feira, quando ele recebeu um convite para uma festinha. Até aí, tudo bem. Festas fazem parte do cotidiano de todos e nunca vetei a participação do João em nenhuma. Mas o enrosco veio quando em vez da habitual palavra "festa", o convite trazia "balada".

Ok, afinal, de vez em quando nós mesmos nos aventuramos por algumas "baladas", coisa de adulto ou, melhor dizendo, de gente jovem (oba!). Assim, nada mais natural do que a criançada se apropriar de um termo tão corrente.

O problema em si, portanto, não era o termo "balada", mas o que vinha a seguir: "Das 20h à 1h". E foi aí que encrencou.

Com naturalidade, disse ao João que tudo bem, que ele poderia ir sem grilo, mas que eu iria buscá-lo às 23h. Pronto. O menino arriou, como se diz no interior. Ficou bravo. Olhos cheios. Disse que eu nunca deixava ele fazer o que queria, que eu era mandão, enfim, que se era para voltar antes do fim, que ele preferiria não ir. Tentei argumentar, mas nada. Ele insistia em dizer que eu era mandão. Bom, diante de tamanha intransigência, mantive minha posição: "Ok, pode ir, mas te pego às 23h".

Ele olhou pra mim, disse que não iria e correu para o quarto. Fiquei ali, parado, enquanto o Pedro me cutucava falando que também queria ir na tal balada. Expliquei ao pequeno que ele ainda era muito novo para aquilo e, sem xingo nem choro, logo ele estava por ali brincando de outra coisa.

Depois de uns dez minutos fui falar com o João. Ele estava com os olhos inchados, o que fez me sentir um crápula. Ainda assim, não cedi. Aos poucos, no entanto, vi que ele foi acalmando até que finalmente me encarou e disse: "Tá bom, eu vou, mas pode ser até as 23h30? Vc chega às 23h, fica conversando com os pais dos meus amigos e depois a gente vai embora!".

Ok, falei pra ele, vou pensar. Depende de como você se comportar. E assim ficou combinado.

No dia seguinte, no entanto, mais uma encrenca. Como iríamos receber a visita dos meus pais, tinha dito aos meninos que pediria uma pizza para o jantar. Acontece que o tempo foi passando, minha irmã que também iria aparecer atrasou, a Mãe atrasou, enfim, acabamos nos contentando com uma deliciosa sopa que já estava pronta. Ou seja, não pedi a pizza. E o pior, esqueci de avisar os meninos!

Só lá pelas tantas é que a ficha caiu. Nisso, o Pedro já cambaleava de sono, enquanto o João havia desaparecido sem deixar pistas. Com o menor, a coisa se ajeitou fácil. Ele já havia se alimentado e nem deu bola pro meu furo.

Já o João, encontrei-o chorando no quarto. Quando me aproximei, levei a primeira: "Você tinha prometido pedir a pizza, mas mudou de ideia e nem me falou!" Ao que eu respondi: "Verdade, desculpe, mas é que o pessoal atrasou e ficou tarde para a pizza. Amanhã, já tá combinado, a gente come uma, pode ser?" Mas ele continuou: "Você sempre faz isso! Diz que vai fazer um negócio e depois não faz!"

Pensei então nas promessas não cumpridas: tirar a rodinha da bicicleta, comprar pilhas por carrinho de controle remoto, levá-lo ao zoológico. É, talvez eu tenha furado bastante recentemente...

Ainda assim, achei que ele estava sendo injusto. No início, fiquei p. da vida, depois triste. Bateu uma incerteza, uma agonia do tipo "será que estou fazendo as coisas da maneira correta?". Saí do quarto depois de dizer a ele que viesse jantar e que no dia seguinte iríamos todos à pizzaria.

E lá veio o João com a cabeça baixa. A princípio se recusou a comer, mas depois cedeu graças à insistência e paciência da vovó. Nessa altura eu já estava longe, perdido nos meus pensamentos, remoendo-os entre a certeza e a culpa, autoridade devida e agonia, enfim.

Logo depois que os convidados se foram, deixei o João com a Mãe na sala e fui para o quarto. A essa altura, o Pedro já dormia pesadamente, alheio a essa confusão toda. Não estava com vontade de ficar ali. Afinal, eu era o pior pai do mundo naquele momento. O carrasco, o cara que diz "não", o que acaba com a festa e frustra o jantar.

Minha cabeça doía e resolvi me deitar. Dez minutos depois, ouço a porta se abrir e lá estava o João, de pijama. "Desculpa, papai." Foi aí que olhei para aquele menino que há muito deixou de ser um bebê e percebi que muitas e muitas discussões ainda viriam pela frente, com certeza bem mais profundas do que essas relativas a horários e cardápio. Assim como viriam reconciliações, abraços, risos e, claro, pizzas!

Luiz Rivoiro é pai de João, 8, e de Pedro, 3. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha Online.

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