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Pai é Pai

27/09/2009

Os óculos de Harry Potter

Foi por mero acaso que descobri. Ao chegar em casa à noite, notei que o João apertava os olhos para enxergar a TV. E olha que a TV é grande! Ainda assim, ele espremia os olhinhos. "Ô João, não tá enxergando não?", perguntei, intrigado. "Mas claro que estou", e continuou mirando a tela fixamente. "Mas você tá apertando os olhos, o quê exatamente você está vendo?" Foi aí que ele se tocou. Relaxou a vista e virou-se para mim. "Mas eu vejo tudo muito bem, quer dizer, às vezes as letrinhas que aparecem embaixo ficam meio embaçadas, mas não é sempre não." Ok, já era hora de levá-lo ao oftalmologista.

Contei para a Mãe e, no dia seguinte, ela também notou que vez ou outra lá estava ele fazendo esforço para ver a televisão. "Ô João, mas como é na escola? Você tem tido dificuldade pra enxergar a lousa na sua classe?", perguntou ela, indo mais fundo na questão. "É, quando eu sento mais para trás, tenho dificuldade para ver o que tá escrito lá na lousa sim. Já até pedi para a professora que me mudasse de lugar.". Bem, se havia alguma dúvida, já estava dissipada. Três dias depois, a Mãe se apresentava ao consultório do oftalmologista com o João a tiracolo.

Quando voltaram, ele, com as pupilas dilatadas, dizia, não sem alegria (para meu total espanto, registre-se), que teria sim de usa óculos. Não para perto, mas para longe, já que o diagnóstico havia apontado miopia. Bem, usar óculos nunca foi um grande problema para mim, ainda que ele tenha me apanhado mais tarde, por volta dos 14 anos. No caso do João, a estreia no mundo dos "quatro olhos" se daria mais cedo, aos 7. "Oba, quero um igual ao do Harry Potter!", e lá fomos nós em busca de um modelo com lentes redondas, como o do menino bruxo. Foi só aí que entendi a felicidade do João. Afinal, agora estaria ainda mais parecido com um de seus personagens preferidos. Ao chapéu e varia mágica, se juntava agora os indefectíveis óculos de aros redondos.

Mas a tarefa logo se mostrou mais complicada do que parecia inicialmente. Num final de semana, visitamos três óticas em busca do tal modelo "Potter" e nada. Retangulares, sim, havia vários disponíveis. Mas não era isso o que o João queria e, como era o seu primeiro óculos, achei que devia insistir um pouco mais. No dia seguinte, uma segunda chuvosa, nos enfiamos numa ótica perto de casa e, bingo!, lá estava ele: o óculos do Harry Potter! Bem, não exatamente igual, mas redondinho, na proporção exata do rosto do João, com aros resistentes e de cor azul. "Adorei! Pode ser esse papai?" E foi. Saímos dali felizes. Em dois dias, o João estaria de visual novo.

Quando finalmente pegamos o óculos e o João apareceu em casa esbanjando charme com seu look Potter, veio a surpresa: o Pedro. "Papai, também quero usar óculos!" E lá fui eu explicar que ele ainda não precisava, talvez nem precisasse um dia. "Mas eu também gosto do Harry Potter! Também quero...." O jeito foi improvisar com um modelo de lentes escuras, que ele usa só de brincadeira quando vai ao clube ou à praia. Mas tudo, bem, adorou. Agora tenho dois pequenos magos em casa.

Em tempo: o João se adaptou muito bem ao modelo redondinho. Na escola, contou, os amigos nem o chamaram de "quatro olhos", como era comum na minha época. Para eles, João agora era o Harry Potter da turma.

Luiz Rivoiro é pai de João, 8, e de Pedro, 3. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha Online.

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