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Pai é Pai

02/05/2010

Uma breve escapadinha

Se você estiver lendo isso, é porque deu certo. A esta altura, a Mãe e eu devemos estar em algum lugar do outro lado do oceano. Sem as crianças, que ficaram muito bem cuidadas pela vovó Didi e pelas Tias. Mas voar nunca foi tão difícil.

Desde cedo, quando o João era pequeno, a Mãe e eu decidimos que teríamos ao menos uma vez por ano alguns dias para nós. Nada contra os pequenos, muito ao contrário. É apenas uma fórmula que encontramos de lembrar a nós mesmos que, além de pais em tempo integral, também somos um casal que se gosta e que precisa de um tempinho para, você sabe, então, namorar. Pois é, dessa vez não foi diferente. Animados, planejamos essa viagem há pelo menos dois meses: destino, roteiro, datas, vôos, hotéis, assim como o acompanhamento dos meninos aqui, transporte para a escola, telefones de emergência, supermercado reforçado, feira, figurinhas da Copa, enfim, tudo o que eles precisariam para sentirem-se seguros e acolhidos nesses dias que estaríamos fora. Assim foi feito. Só não esperávamos que a semana que antecedia a nossa partida fosse tão tumultuada.

Logo no início, eu particularmente vivi a expectativa que meu pai fosse submetido a um procedimento cirúrgico. Nada muito complexo, mas, ainda assim, uma cirurgia. A perspectiva era que ele fosse operado antes da nossa partida e que, caso tudo corresse bem, estivesse em casa logo, sem problemas. Nada para me preocupar, disse-me o médico. Mas, como não me preocupar se estávamos falando, de qualquer maneira, em cirurgia, caramba? Logo, no entanto, o nó que apertava a minha cabeça se afrouxou. Em acordo com o médico, meu pai havia decidido operar logo depois da minha volta. Ufa! Foi como se um peso de 500 kg fosse retirado das minhas costas. Agora, levinho, estava pronto para partir. Ou quase.

Foi aí que o João começou a tossir. A noite toda, incessantemente. O ar estava praticamente podre aqui em São Paulo, é verdade, seco como no Saara, mas criança tossindo é algo que sempre incomoda. E quando ele deu uma melhorada, foi o Pedro quem disparou o cof! Cof! Cof!. Mesma coisa, como numa rave eletrônica, a trilha sonora lá em casa se repetia ad infinitum. Ou um, ou outro, o cof-cof-cof embalava a noite até o amanhecer. Claro que levamos os meninos ao médico, que, pacientemente, nos tranquilizou dizendo que não era nada grave, apenas um efeito do tempo seco e tal. Inalação, vaporizador no quarto, xaropinho e coisa e tal e logo tudo estaria bem. Por mim, perfeito. Era isso aí. Logo estariam bem, muito bem. O problema agora era cuidar da Mãe, que pela enésima vez diante da proximidade de uma viagem a dois, se via corroída pelo remorso e pela culpa de deixá-los.

E aí, meus amigos, não adianta eu falar que eles vão ficar numa boa, que irão se divertir com a companhia da vovó, mudar de ares e encarar esse breve período como uma espécie de férias também. Como falei, não é a primeira vez que viajamos sozinhos e eles sempre aproveitam muito essa nossa ausência. E ela sabe disso. Muito bem, às vezes melhor do que eu até. Mas eis que basta o João começar a fazer uma chantagenzinha e o Pedro se mostrar um pouco mais irritadiço que o de praxe, que ela começa a se contorcer de culpa. Dor de cabeça permanente, banzo antecipado, preocupação exagerada, tudo ao mesmo tempo na semana que antecede as férias. Entendo, claro. Não sou de ferro e também sinto um pouco de cada coisa. Por vezes mais de uma ou de outra. No entanto, sei que esse pequeno distanciamento vale a pena. Aproxima os meninos dos avós e tios ao mesmo tempo que injeta um pouco de responsabilidade em suas cabecinhas. Pra gente, faz-nos lembrar do tempo que nos conhecemos e o porque de termos decidido ficar juntos. Sim, porque, se bobear, deixamos de ser homem e mulher para virar papai e mamãe 100% di tempo. E aí, meu irmão, quando isso ocorre, vira um porre, pode acreditar!

No fim, é sempre duro partir, deixando aqui aqueles que amamos tanto. Mas isso só nos fortalece como família, tenho certeza. E, egoísmo meu, podem dizer alguns, não há nada melhor no mundo do que saber que em breve estaremos de volta e que eles vão estar ali, sorrindo, pulando e gritando de alegria nos recebendo de em casa.

Luiz Rivoiro é pai de João, 8, e de Pedro, 3. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha Online.

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