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Papo de Esporte

29/04/2003

O caratê e a ditadura, também entre nós

ALEC DUARTE
Colunista da Folha Online

Quando revelou, há um mês, que caratecas torturaram presos políticos no Chile de Pinochet, esta coluna recebeu uma informação ainda mais estarrecedora: a mesma coisa aconteceu no Brasil durante os governos militares (1964-1985).

Paulo Pontes da Silva, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, diz ter testemunhado atrocidades cometidas por um campeão estadual de caratê e conhecido faixa preta da Bahia, Dalmar Caribé.

Segundo Pontes, Caribé e o irmão, Denílson, transformaram o Quartel do Barbalho _o ponto nevrálgico da tortura na Salvador do início dos anos 70_ num verdadeiro cenário de filmes de artes marciais.

Literalmente: a atmosfera de fitas de Bruce Lee era garantida, inclusive com decoração, pelo próprio comandante daquele grupamento da Polícia do Exército, um capitão admirador e incentivador de lutas orientais.

Também cabo do Exército, Caribé _então um atleta famoso em seu Estado_ fazia visitas constantes ao quartel.

"Vi [Dalmar Caribé] destruir Theodomiro Romeiro dos Santos [também preso no local] a golpes e depois prometer o mesmo destino a mim. Felizmente, acabou se esquecendo da promessa", relembra Paulo Pontes, que escapou da destreza de Caribé, mas foi torturado por vários outros carrascos.

A história é confirmada por outra testemunha, Emiliano José, detido no Barbalho por ser ativista do grupo Ação Popular. Suas memórias dos tempos de chumbo, intituladas "Lembranças do Mar Cinzento", foram publicadas em capítulos pelo jornal baiano "A Tarde".

No Rio, outro depoimento acusa a participação de caratecas em sessões de tortura: o do lavrador maranhense Manuel Conceição Santos, que ficou preso num quartel da Tijuca. Ele conta que teve a perna mecânica retirada por seus algozes e que foi espancado a golpes de caratê em todas as partes do corpo.

"Nu e sem a perna mecânica, eu não resistia em pé e caía, sendo que numa ocasião fraturei o maxilar do lado direito", conta ele.

O governo brasileiro estima que vá gastar R$ 1 bilhão em indenizações a presos políticos torturados durante o regime militar. Os crimes cometidos nesse período foram considerados nulos pela Lei de Anistia, assinada em agosto de 1979 pelo então presidente da República, general João Batista Figueiredo.

Theodomiro (último exilado a voltar ao país após a anistia) hoje é juiz do trabalho em Pernambuco; Emiliano José é deputado estadual pelo PT-BA; Dalmar Caribé é secretário de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente da cidade de Belmonte (na região de Porto Seguro) e seu irmão, Denílson, morreu há anos num acidente automobilístico.

E eu continuo sem entender como pessoas cuja formação esportiva deveria privilegiar o desenvolvimento do caráter _preceito básico do caratê_ puderam tomar parte nessa história.


Lá e cá

- A coluna também recebeu dezenas de mensagens de leitores jurando ter visto o gol marcado por um goleiro de Guiana que, após sair da própria área, driblou vários adversários e, com um chute espetacular, fez um golaço. A questão é: persiste a dúvida sobre quando e onde o gol foi feito. A parada está rigorosamente empatada: um terço dos internautas que mandaram e-mails confirmam que foi mesmo na Guiana; outro terço, na África; o restante, na América Central. Ideal para uma lenda , não?

- Em quanto tempo você consegue amealhar US$ 1 milhão? Se for remunerado com o salário mínimo brasileiro (R$ 240), levaria exatos 1.041,6 anos. Isso mesmo: mais de mil anos. Pois a tenista norte-americana Serena Williams (número um do mundo) demorou apenas 78 dias, neste 2003, para embolsar mais, US$ 1.146.087, seus prêmios pelos títulos obtidos na temporada. Ela ultrapassou a marca de US$ 1 milhão no dia 29 de março, igualando recorde registrado pela suíça Martina Hingis em 1997.

- Ainda não saiu do papel o projeto lançado com pompa pelo jogador brasileiro Sávio no ano passado. Na época, o atacante anunciou a criação de um time de futebol em Vila Velha (ES), sua cidade natal, que deveria ter disputado já neste ano o Campeonato Capixaba. Além do site oficial , nada aconteceu. Oficialmente, o desinteresse do prefeito Max Filho (PTB) é a justificativa para a inércia. Mas o atacante promete colocar a equipe em campo, talvez em 2004, com ajuda de outros parceiros. Por enquanto, Sávio _cujo passe pertence ao Real Madrid_ está mais preocupado com seu presente profissional: aos 29 anos, espera que o atual clube (o Bordeaux, da França) compre seus direitos federativos de forma definitiva, o que será resolvido nesta semana.

- A boa fase do Cruzeiro animou o técnico Wanderley Luxemburgo a preparar sua volta ao mundo virtual. A primeira incursão, um site que acompanhou sua trajetória na seleção brasileira, foi abruptamente interrompida e tirada do ar tão logo ele se desligou da CBF. Agora, a WL Sports (empresa de propriedade do técnico e detentora do domínio www.luxemburgo.com.br), pediu ao site especializado Sporting que desenvolva uma página para o treinador. E a Sporting está mesmo precisando de estrelas em seu elenco: o site hospeda, entre outros, as páginas pessoais de Dodô e César Prates.

- Gustavo Kuerten é um fenômeno de audiência, menos no mercado editorial. O livro "Gustavo Kuerten e Roland Garros, uma História de Amor" já custou R$ 95 à época do lançamento, no ano passado, e hoje pode ser encontrado por até R$ 55. Trata-se de uma obra de arte em impressão finíssima, 288 páginas, 380 fotos e texto do ex-tenista Paulo Cleto, que conhece Guga desde os primórdios. Um livro praticamente incógnito.

- Depois de quatro anos no Brasil trabalhando como correspondente dos jornais britânicos The Guardian e The Observer, o jornalista inglês Alex Bellos está voltando à Inglaterra natal. Como herança, deixa o divertido "Futebol: The Brazilian Way of Life" (traduzido por aqui como "Futebol, o Brasil em Campo"). No livro, Bellos desafia os conhecimentos de muita gente que se considera expert em futebol brasileiro e vai a fundo na paixão de nosso povo. Ele mostra, entre outras curiosidades, um time de homossexuais em Ipanema, a vida dura dos atletas profissionais que foram tentar a sorte nas longínquas Ilhas Faroe e um torneio na Amazônia que mistura festival de várzea e concurso de miss. Para quem acha que sabe tudo, é uma verdadeira lição sobre o esporte mais popular do país.

SIC
Todo atacante tem a obrigação de cavar o pênalti

Inversão de valores do técnico Leão, do Santos, deixando de lado o fair-play e defendendo uma atitude há muito tempo condenada pela Fifa
Alec Duarte foi editor executivo da Gazeta Esportiva e editor de esportes do Diário do Grande ABC.

E-mail: papodeesporte@folha.com.br

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