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Papo de Esporte

20/05/2003

As lições que o Brasil insiste em não aprender

ALEC DUARTE
Colunista da Folha Online

Parece que foi ontem, mas no dia 31 faz exatamente um ano que a França perdeu para Senegal, na abertura da Copa do Mundo de 2002, o que acabaria sendo o cartão de visita do maior fracasso de um campeão mundial em todos os tempos.

Desde então, os franceses tentam entender o que levou a equipe _superfavorita e badalada_ a ser desclassificada ainda na primeira fase, sem marcar um mísero gol.

E as explicações para tragédia são, em grande parte, os mesmos vícios que a seleção brasileira tem imensa dificuldade em abandonar.

Por exemplo: disputar amistosos inúteis. Especialistas não perdoam a Federação Francesa de Futebol por, a troco de 4,5 milhões de francos (US$ 750 mil) por partida, submeter seus astros a viagens desgastantes como para Austrália e Chile.

O cachê é semelhante ao pago hoje à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) toda vez que o Brasil se apresenta com suas estrelas, seja na China ou México _só para citar dois jogos da era Parreira.

O diagnóstico da imprensa esportiva francesa também apontou a convocação de jogadores considerados "ultrapassados" como outro erro crasso do técnico em 2002, Roger Lemerre. Do time campeão em 98, 14 atletas participaram do Mundial da Ásia. Vários deles deixaram a impressão de que estavam no grupo apenas em reconhecimento ao que tinham feito no passado.

A questão também levanta polêmica no Brasil: Parreira deve manter o grupo pentacampeão em detrimento de eventuais novos valores? A França manteve, e quebrou a cara.

A superexploração comercial dos jogadores franceses é outra provável causa para o desempenho pífio. Muitos tinham de deixar os treinamentos às pressas por causa de compromissos com seus patrocinadores pessoais.

A situação é diferente na seleção brasileira? Não. Empresários e executivos seguem com trânsito livre onde quer que o time esteja. Pior: a presença e o assédio são cada vez mais ostensivos.

O fiasco do futebol francês faz aniversário e a data é uma ótima oportunidade para reflexão. Nossa seleção precisa corrigir, antes de 2006, os mesmos equívocos de sempre.

Ou será que o que é ruim para a França é bom para o Brasil?

Lá e cá

- Para Senegal, ao contrário, 31 de maio é um dia de festa. A façanha iniciada nesse dia de 2002 _e que só terminou nas quartas-de-final, com uma honrosa 7ª posição_ rendeu valorização aos jogadores do país e alívio para o presidente Abdoulaye Wade, eternamente acusado de corrupção. O Senegal ocupou, no ano passado, o 66º lugar (entre 102 países) no Índice de Percepção de Corrupção da ONG Transparência Internacional. Quanto pior a colocação, mais indícios de irregularidades (o Brasil ficou em 42º). Alheio, Wade chamou para si as glórias da seleção local e, ao custo de quase US$ 500 mil (quase R$ 1,5 milhão), inaugurou em Dacar a "Calçada dos Leões", um boulevard em homenagem aos atletas que fizeram história em 2002. E assim caminha a humanidade.

- Reunida numa churrascaria da zona sul de São Paulo na semana passada, a cúpula da torcida organizada Dragões da Real, do São Paulo, alinhavou planos para a seqüência da temporada. Chegou à conclusão de que o marketing deve ser sua preocupação principal a partir de agora. Repelir associados que fumam maconha nos estádios e ajudar "velhinhos" e crianças a conseguir boas acomodações são atos, de acordo com os torcedores, que podem ajudar a mudar a imagem da organizada. Eles também admitiram que conseguir a demissão do técnico Oswaldo de Oliveira foi muito mais difícil do que pensavam porque "a imprensa e os jogadores defendem o cara até a morte". É mesmo?

- Na Argentina, as torcidas não querem saber de limpar a imagem, não. Quem acessar o site Barras Bravas vai ler todo tipo de discriminação e incitação à violência _além de aprender vários palavrões em espanhol, é claro. Intitulado "o lugar certo para os desajustados de sempre", o site tem como novidade a sessão "Tribuna Caliente", na qual correspondentes analisam e dão nota às torcidas após cada rodada de todas as divisões do futebol local. Original.

- Outro fato insólito que vem da Argentina: Carlos Salvador Bilardo, que após uma longa temporada como jornalista voltou a treinar um clube de futebol (o combalido Estudiantes), virou garoto-propaganda de uma marca de cerveja. A participação de atletas e de gente ligada ao esporte nesse tipo de publicidade é um tremendo tabu. Na verdade, é quase nula. Mas Bilardo não está nem aí.

- Escolhido pela ONU como um dos embaixadores mundiais no combate à Aids, o jogador de basquete Nenê Hilário, destaque em seu primeiro ano na NBA, ainda mostra timidez ao falar sobre sexo e camisinha. Em entrevista à rádio das Nações Unidas, o brasileiro também contou alguns detalhes de sua primeira temporada nos EUA. Nenê tem toda a pinta de que será o próximo grande ídolo de nosso esporte, sucedendo a Gustavo Kuerten.

- São Paulo assiste, no dia 27 deste mês, ao 1º Congresso Brasileiro de Sponsorship. O anglicismo, injustificado, significa nada menos que patrocínio esportivo, setor que movimentou US$ 25 bilhões em 2002 segundo dados da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha _um dos organizadores do evento. O congresso pretende mostrar a patrocinadores e patrocinados as vantagens de uma parceria capaz de construir "fortes laços com o consumidor".
SIC
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Jean, zagueiro criticado por dez entre dez são-paulinos, concluindo que os apupos da torcida estão prejudicando o futebol da maior estrela do clube
Alec Duarte foi editor executivo da Gazeta Esportiva e editor de esportes do Diário do Grande ABC.

E-mail: papodeesporte@folha.com.br

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