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Papo de Esporte

14/10/2003

Artigo: Nosso rúgbi e seus incríveis juízes caseiros

ALEC DUARTE
Colunista da Folha Online

O pau está comendo no Mundial de rúgbi, na Austrália, mas o Brasil vê tudo pela TV. Quer dizer, parte ínfima do Brasil --o torneio é transmitido por emissora paga, invariavelmente em VT.

O fato é que o rúgbi brasileiro é um mero traço na audiência. Temos 2 mil jogadores e estamos a anos-luz da Argentina, sétima potência mundial (lá, são 180 mil atletas federados). Até o Uruguai, o outro representante sul-americano na Copa do Mundo, está a nossa frente.

Se encontrar quem se disponha a jogar já é páreo duro, quem quer ser juiz? Você conhece algum?

Apesar de parente do futebol, o rúgbi é bem mais complexo. Seu compêndio de regras, condensado em 162 páginas, tem 48 itens --contra 17 do ilustre consangüíneo. Isso colabora para que a formação de árbitros seja um problema tão grave quanto a formação de jogadores.

E olha que o primeiro brasileiro a trazer uma bola do esporte ao país foi Charles Miller. Sim, exatamente o mesmo que carregava, no outro braço, a pelota de futebol. Foi em 1894.

O rúgbi não decolou e o futebol é o que é. "Ninguém se sustenta, hoje, trabalhando com rúgbi", diz Roberto de Magalhães Gouvêa, presidente da ABR (Associação Brasileira de Rúgbi), que rege a modalidade no Brasil.

Nesse cenário, arrumar árbitros é hercúleo. Por isso a ABR pensou numa solução insólita: um clube só pode se inscrever em competições nacionais se tiver um juiz. Isso mesmo: os mediadores dos jogos, sem exceção, são ligados a cada um dos participantes.

No futebol nosso de cada dia, isso seria possível? Pense num Santos x São Paulo dirigido pelo árbitro do Corinthians. Inviável...

No rúgbi brasileiro, essa distorção é uma realidade. A tabela do campeonato nacional, além de definir os confrontos, aponta quem é o clube responsável pelo apito.

O próprio cartola confessa que esse não é o modelo ideal. Claro. Vinculados aos competidores, os árbitros estarão sempre sob suspeição. Sem contar o conflito ético de se trabalhar numa partida cujo resultado pode interessar diretamente à equipe para quem o juiz "trabalha".

A promessa para o ano que vem, se cumprida, será uma proeza. A ABR diz que terá um colegiado de árbitros independente até da própria entidade. É um clamor antigo que o futebol, totalmente profissional, nunca foi capaz de colocar em prática.

Resolver a estranha situação de seus juízes, é claro, será pouco para fazer o rúgbi nacional entrar nos eixos. Hoje, a participação numa Copa do Mundo ainda é um sonho distante --o Brasil disputa a segunda divisão sul-americana, e para postular uma vaga no Mundial teria, primeiro, que subir para a elite.

A revolução, porém, tem de começar pelo apito. Senão o esporte nunca vai ser levado a sério.

Lá e cá

- Outro entrave ao desenvolvimento do rúgbi no Brasil é a percepção, precipitada, de que se trata de um esporte violento e exclusivo de brutamontes. Essa imagem é a mesma relatada pelo Barão Pierre de Coubertin, idealizador dos Jogos Olímpicos da era moderna, em texto publicado no dia 8 de maio de 1897. No artigo, ele fala sobre o preconceito com o qual os franceses receberam a novidade recém-chegada do outro lado do Canal da Mancha. Coubertin cita "listas de contusões e ferimentos" publicadas pelos jornais de então para desestimular a prática da modalidade. No fim, é profético: prevê que o rúgbi conquistaria, em pouco tempo, a França --é, hoje, o segundo esporte do país. Leia o texto original, em francês, aqui.

- As torcidas organizadas brasileiras continuam se metendo onde não devem. No site da Independente, maior facção uniformizada do São Paulo, há uma série de links para páginas de gangues de hooligans. Gente envolvida com racismo, intolerância, drogas e violência que, nas horas vagas, diz torcer por clubes de futebol da Europa. Ilegal e imoral.

- O empresário Wagner Ribeiro tem um poderoso aliado na briga para receber, do São Paulo, a porcentagem sobre a venda de Kaká ao Milan (cerca de US$ 850 mil). A Fifa considera legítimas --e obrigatórias-- as comissões aos agentes por ela credenciados, caso de Ribeiro. Já há até jurisprudência: no ano passado, o espanhol José Martin recorreu à entidade para receber US$ 400 mil do Coritiba, relativos à venda do volante Mozart, ocorrida em 2000. Ameaçado de suspensão em todas as competições, o clube paranaense fez um acordo com o empresário e parcelou a dívida, que tem sido paga "religiosamente", segundo Martín.

- O clube Volga, da cidade russa de Samara, anuncia para o ano que vem a disputa do primeiro torneio de golfe no Pólo Norte. A competição será disputada em abril, na faixa de gelo mais próxima ao pólo geográfico --onde não há terra firme. A construção do campo, dentro das normas oficiais, é o maior desafio dos organizadores. E pode, literalmente, ir por água abaixo se o degelo for muito severo.

- A Confederação Brasileira de Vôlei confirmou a realização, em março de 2004, de um torneio aberto de veteranos em Saquarema, no Rio. Serão três categorias, no masculino e no feminino, para jogadores entre 35 e 55 anos (ou mais). A confirmação deve ser encaminhada à entidade até 23 de janeiro. Taí uma boa chance de descobrir se o vôlei ainda é, de fato, um esporte popular no país.

- A prematura demissão de Júnior solucionou uma estranheza surgida depois que o comentarista de TV aceitou assumir o Corinthians: mesmo como técnico, ele permaneceu como garoto-propaganda dos pacotes de pay-per-view oferecidos pelo canal. No mínimo, um conflito ético.
SIC
A Gávea, hoje, é um lugar difícil de se trabalhar. Não tem nem aposentos adequados para os jogadores

Oswaldo de Oliveira, ex-técnico do Flamengo, que entregou o cargo por falta de condições de trabalho
Alec Duarte foi editor executivo da Gazeta Esportiva e editor de esportes do Diário do Grande ABC.

E-mail: papodeesporte@folha.com.br

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