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Papo de Esporte

28/10/2003

Artigo: O primeiro time de Luxemburgo

ALEC DUARTE
Colunista da Folha Online

Rio, 23 de janeiro de 1983. Cenário: o estádio Ítalo del Cima, no suburbano bairro de Campo Grande, a 50 km da badalada Copacabana. Em campo, o modesto time anfitrião enfrenta a Ponte Preta, na estréia de ambos no Campeonato Brasileiro.

Irrelevante, o jogo seria justo merecedor de um lugar na lata de lixo de história não fosse por um detalhe que não poderia ser notado pelas 3.167 pessoas que testemunharam a partida: no banco de reservas do Campo Grande estava sentado um técnico novato que atendia pelo nome de Wanderley Luxemburgo, então com 30 anos.

Esse confronto chocho encabeça um currículo que, 20 anos depois, ostenta 303 jogos, 151 vitórias e três títulos nacionais. Se for campeão novamente com o Cruzeiro, Luxemburgo será o único treinador do Brasil a ganhar quatro vezes o principal campeonato de futebol do país (Rubens Minelli, na década de 70, e Ênio Andrade, no decênio seguinte, também faturaram três).

Nem o protagonista lembra direito de seu primeiro jogo no campeonato nacional. Indagado, franze a testa como se falássemos de física quântica. "Faz tanto tempo...", se desculpa.

O primeiro time do técnico era valoroso, mas nem de longe lembrava os esquadrões que ele viria a comandar na década seguinte.

O Campo Grande de Wanderley tinha um jogador que subiu ao degrau mais alto do pódio e conquistou o Brasileirão: o lateral-esquerdo Jacenir, campeão em 1990, com o Corinthians.

"Do meio-campo eu me lembro bem: tinha Israel, Pingo e Tuchê", rememora o treinador, acertando quase em cheio. Ele se esqueceu de Lulinha, primeiro atleta a passar por suas mãos e conhecer relativo sucesso na profissão.

Em 1985, dois anos após ser dirigido por Luxemburgo, Lulinha explodiu no Bangu, finalista daquele Brasileirão trash ganho pelo Coritiba --e que teve o Brasil de Pelotas como um dos semifinalistas. "O Lulinha era incansável, tinha um fôlego impressionante", relata o técnico, saboreando momentos de nostalgia ao ter a memória refrescada.

O atacante Luís Paulo, que fazia dupla com um anônimo Luisinho, também ganhou elogios do treinador que, 16 anos depois daquela partida contra a Ponte, chegaria à seleção brasileira. "Era habilidoso demais", revela.

Dos zagueiros Orlando e Pirulito, porém, nem uma palavra. Idem para o goleiro Zé Carlos e o lateral Marinho.

A vida deu muitas voltas: hoje Luxemburgo usa ternos supostamente bem cortados, fuma charutos, desfruta prestígio e ganha R$ 160 mil mensais. Algum contato com seus comandados de 20 anos atrás?

"Não, nenhum. Nunca mais falei com ninguém dessa época. As coisas mudam muito", conta.

Mudam mesmo. Com aquele Campo Grande de 1983, Luxemburgo foi eliminado na primeira fase. Enfrentou, além da Ponte, Joinville, Grêmio e Atlético-PR em turno e returno. Perdeu três, empatou três e só ganhou duas. Foi derrotado, inclusive, no jogo número um de sua trajetória, por 1 a 0.

Mesmo placar, por sinal, da partida número 303, disputada sábado passado. A diferença é que desta vez seu time, o Cruzeiro, ganhou e seguiu firme rumo ao título.

Coisas que um torcedor em Ítalo del Cima, numa tarde de 1983, nem sequer poderia imaginar.

Lá e cá:

- Wanderley Luxemburgo é, sem dúvida, um personagem importante do mundo blogger (sim, dos weblogs, os diários pessoais na internet). O técnico é citado em pelo menos meio milhar de páginas pessoais na rede. Boa parte dos comentários são ofensivos e impublicáveis. Um texto, chamado "A Arte de Pensar", é recorrente e resume a ópera: foi republicado cerca de 50 vezes e traz, entre outras frases, "Luxemburgo pensa que é intelectual". Se você quiser se aprofundar no tema, experimente associar o nome do treinador ao termo "blog" em sua máquina de busca favorita.

- Errol Belanger é um Zé Ninguém que joga futebol (o nosso futebol) numa universidade dos Estados Unidos. Por alguma razão, alguém decidiu criar um vírus virtual associado ao atleta do Breinerd Warriors. Se seu computador for infectado por ele, seus e-mails nunca mais atingirão o destino desejado. Talvez Errol, como o nome sugere ao ser lido em português, não tenha como forte a pontaria. Ou pode ter sido pura sacanagem de um amigo. Na dúvida, evite abrir mensagens com o assunto "became a soccer star in USA".

- Uma das primeiras falcatruas de cartolas de futebol (entre as devidamente comprovadas, claro) completou 25 anos. Em 1978, Jordão Bruno Saccomani, que era presidente do Palmeiras, tomou emprestada uma quantia considerável do clube para investir num negócio particular --o valor exato nunca se soube, mas em moeda de hoje seria algo em torno de R$ 100 mil. O problema é que ele fez a retirada à revelia, e seu gesto foi tratado como desfalque. Saccomani (criativamente apelidado na época de "Sacou Money") foi destituído do cargo, mas devolveu, meses depois do impeachment, toda a quantia. Um caso insólito na origem e com desfecho ainda mais surpreendente. Vale um livro, inclusive.

- Iarley, ex-jogador do Paysandu, é um dos raros brasileiros na Argentina: ele joga, com algum destaque, no Boca Juniors. Em sua cidade natal, entretanto, quem manda é o River. O time, o mais popular da várzea em Quixeramobim (Ceará), mudou várias vezes de nome, mas conserva o atual desde 1996. O mascote é, estranhamente, um morcego. No hino, o verso "grande quiróptero no brasão" merece entrar para qualquer almanaque. Bem-vindo à terra de Iarley.

- Pela primeira vez, profissionais ligados ao esporte participam com relevância do Congresso Nacional dos Executivos de Finanças, cuja 14ª edição ocorre nesta quinta e sexta-feiras, em Vitória (ES). O tema ganhou um painel que será moderado por Ary da Graça, presidente da Confederação Brasileira de Vôlei. O objetivo do encontro é propor saídas para a retomada do investimento e da geração de empregos, em todos os níveis.

- Mais uma da série "esportes formatados para o Brasil ser campeão mundial": chegou a vez do futvôlei, modalidade popularizada por Romário nas areias da Barra da Tijuca. No ano que vem será disputada a primeira Copa do Mundo --e a sede, previsivelmente, é o Brasil. Em 2003, a Grécia promoveu um Mundialito, e duas duplas brasileiras chegaram à final entre 14 países participantes. No começo é sempre assim. Depois, casos do futsal e do beach soccer, a invencibilidade brasileira desce a ladeira porque os rivais vão aprendendo pouco a pouco. Aliás, que tal convidar Romário para jogar?
SIC
Quando eu nasci, Deus apontou para mim e disse: 'esse é o cara'

Mais uma manifestação humilde de Romário, 37, que por enquanto ainda é jogador de futebol
Alec Duarte foi editor executivo da Gazeta Esportiva e editor de esportes do Diário do Grande ABC.

E-mail: papodeesporte@folha.com.br

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