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Quero Ser Mãe

13/03/2003

Questionar é preciso

CLÁUDIA COLLUCCI
colunista da Folha Online

Andei lendo algumas críticas de clínicas de reprodução assistida sobre o fato de a imprensa ter questionado em reportagem o uso excessivo das técnicas de reprodução assistida no Brasil. Pois bem. Acho que a discussão merece ser avaliada sob outros prismas. Há dois anos, esse mesmo assunto foi tema de discussão durante congresso de reprodução assistida, em Campos do Jordão. Os expositores, donos de clínicas de reprodução, alertavam para o uso indiscriminado das técnicas de reprodução assistida, especialmente a ICSI, destinada primeiramente aos casos de infertilidade masculina grave, mas que atualmente está sendo largamente utilizada.

Na época, houve até um bate-boca entre uma médica de Salvador e um médico de São Paulo sobre o assunto. O médico defendia que tanto a ICSI quanto a transferência de citoplasma (técnica que não é indicada pela Sociedade Americana de Reprodução Assistida) não ofereciam risco à saúde dos bebês. A médica, por sua vez, dizia que precisaríamos de pelo menos três gerações para avaliar se os riscos inexistem de fato. A partir daquele momento, não tirei mais isso da cabeça.

Durante o meu mestrado em História da Ciência, em que trabalhei com a história da reprodução humana, confrontei-me com várias situações semelhantes. O que em um determinado século era considerado "verdade universal", no século seguinte era exatamente o oposto. Ou seja, não existem verdades absolutas, não existem garantias. Tudo é circunstancial. E é por isso que precisamos ter cautela.

É claro que as técnicas de reprodução assistida vieram ajudar muito os casais com dificuldade de gravidez. É claro que devemos nos orgulhar de podermos desfrutar desses benefícios que a ciência moderna nos proporciona, mas não podemos perder de vista o nosso senso crítico. A nossa capacidade de questionar. Conheço razoavelmente os bastidores da área de reprodução assistida para saber que, como em qualquer outra área, existem médicos e médicos. Alguns se aproveitam do desespero do casal que quer ter um filho e indicam FIV e ICSI inadvertidamente, quando essas técnicas só deveriam ser utilizadas depois de uma investigação rigorosa dos fatores que estão impedindo a gravidez e, quando possível, tentar o tratamento com outros métodos teoricamente mais "suaves" e mais baratos, como coito programado, indução de ovulação e inseminação.

Ainda nem sabemos ao certo os efeitos dos hormônios para induzir a ovulação no nosso organismo. Há estudos que sugerem aumento do risco de câncer de ovário. Ainda não existem pesquisas amplas que cravem esse perigo, mas eu, particularmente, fico com um pé atrás e quero saber tudo a respeito. No mínimo, acho que as mulheres que já se submeteram a esses tratamentos, que estão ainda no processo ou que pretendem entrar, devem conhecer os riscos e tentar preveni-los, não descuidando, por exemplo, dos exames ginecológicos de rotina. O especialista em reprodução assistida tem o dever de informar suas pacientes sobre esses riscos, por menores que sejam.

Outro dado recente que me preocupou. Em janeiro, a renomadíssima revista "Lancet" publicou um estudo em que levanta a suspeita de que bebês fertilizados in vitro teriam mais chances de desenvolver um câncer ocular chamado retinoblastoma. Agora estão fazendo investigações mais rigorosas para se confirmar essas suspeitas. Enfim, riscos e benefícios dessas técnicas devem ser colocados lado a lado. Não dá para ignorar um ou outro. Volto a frisar: não quero ser o balde de água fria no sonho de ninguém. Só precisamos estar conscientes e alertas para cada passo que pretendemos dar. E preparados para assumirmos as consequências das nossas decisões.

* Acupuntura

Enfim, uma ótima notícia: a acupuntura começa a chegar nas clínicas de reprodução assistida. Técnica milenar descoberta pelos chineses, a terapia das agulhas pode reduzir o estresse, aumentar o fluxo sanguíneo dos órgãos reprodutivos femininos e ainda ajuda a normalizar a ovulação. O resultado positivo das agulhas sobre os tratamentos de fertilidade foi observado pelo ginecologista Paulo Serafini, diretor da clínica Huntington. Segundo ele, as pacientes que se utilizam da acupuntura conseguem dar respostas mais rápidas para o tratamento.

A partir dessa constatação, a Huntington desenvolveu uma parceria com a clínica Helena Campiglia, especializada na técnica chinesa. O objetivo é trocar informações técnicas e estimular pesquisas conjuntas e tratamentos combinados.

Levantamento feito por pesquisadores, na Alemanha, mostra que um número maior de mulheres que associou a acupuntura com o tratamento em clínicas de reprodução assistida conseguiu atingir o objetivo de engravidar. O resultado foi de 42,5% contra 26,3%. A acupuntura também é recomendada para os casos de infertilidade masculina por melhorar a qualidade dos espermas. Estudo feito junto a 108 homens, divididos em dois grupos (um tratava apenas com medicação e outro combinava remédios e agulhas), reforça a tese de que a parceria funciona. A normalização de contagem de esperma ocorreu para 74% dos que optaram pela tratamento conjunto e para 52% para aqueles que optaram apenas pelos medicamentos. Segundo Serafini, há ainda benefícios adicionais, como melhora da libido, ponto vital para a aproximação para todos os casais, e a inibição dos enjôos matinais.

A notícia muito me alegrou porque há muito tempo venho batendo nessa tecla: não podemos continuar sendo tratadas como um punhado de órgãos que não funcionam direito. Temos que nos enxergar e procurar profissionais que nos enxerguem como um todo. Não tenho dúvidas de que o nosso estado físico e psicológico geral influenciam na nossa fertilidade. Temos que parar de enxergar o mundo com essa visão mecanicista de que no fundo não passamos de uma máquina e que só trocar uma peça que tudo vai funcionar às mil maravilhas. É o que eu penso. Beijos a todas.

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Cláudia Collucci, repórter da Folha de S. Paulo, é mestre em História da Ciência pela PUC-SP e autora dos livros "Por que a gravidez não vem?", da editora Atheneu, e "Quero ser Mãe", da editora Palavra Mágica. Escreve quinzenalmente na Folha Online.

E-mail: claudiacollucci@uol.com.br

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