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Quero Ser Mãe

03/12/2003

O impacto da infertilidade no climatério

CLÁUDIA COLLUCCI
Colunista da Folha Online

Vou reservar a coluna de hoje para tratar de um tema sobre o qual fiz uma conferência na última sexta-feira: a infertilidade no climatério, uma fase da vida que, regra geral, as mulheres já não teriam compromisso com a reprodução biológica. Pelo menos é que se pensava. O que vemos no nosso dia-a-dia é bem diferente.

Prova disso é o cadastro do centro de reprodução humana do Hospital das Clínicas de São Paulo. Das 10 mil mulheres inscritas atualmente, 4.500 têm 40 anos ou mais. Dessas, 1.300 têm mais de 46 anos. As mensagens de leitoras da coluna também mostram números expressivos: do total de 3.000 e-mails recebidos nos últimos dois anos e meio, cerca de 10% --300 mulheres aproximadamente-- têm acima de 40 anos.

Existem vários fatores que motivam uma mulher a buscar um filho nessa idade. Algumas retardaram a gravidez pelo desejo de alcançar primeiramente uma estabilidade profissional, outras, já estão tentando uma gravidez há quatro, cinco anos, mas, devido a problemas como endometriose e miomas uterinos, ainda não conseguiram realizar esse desejo.

Há um grupo significativo de mulheres que já são mães, mas que estão em outro casamento e querem um filho do novo parceiro --nesses casos, é muito comum o homem não ter filhos e muitas dessas mulheres serem laqueadas.

Outro perfil de mulheres que tem aparecido, especialmente em algumas clínicas de reprodução, são as que perderam seus filhos únicos em situações de doenças, acidentes, assaltos e outras tragédias da nossa vida cotidiana e que querem voltar a engravidar.

Enfim, os motivos são inúmeros, mas o fato é que, a partir dos 40 anos, as chances de uma gravidez natural estão bastante reduzidas, especialmente, em razão da baixa qualidade dos óvulos. Quando associado a isso há outros problemas físicos, as possibilidades caem ainda mais.

É bom lembramos que a taxa de fecundidade mensal é de aproximadamente 20% ao mês até os 35 anos. A partir dessa idade, começa a cair, chegando a ficar, por volta dos 40 anos, em torno de 5%. Aos 44 anos, as chances não chegam a 1%.

Em razão dessa barreira biológica natural, muitas mulheres que desejam filhos após os 40, e que têm poder aquisitivo para isso, estão recorrendo às técnicas de reprodução assistida.

Segundo dados da Sociedade Brasileira de Reprodução, a proporção de mulheres com 40 anos ou mais fazendo reprodução assistida no Brasil dobrou na última década, passando de 7%, em 90, para 14% do total de ciclos realizados em 2002.

Só em uma clínica de reprodução assistida em São Paulo, no primeiro semestre deste ano, 60 mulheres acima de 42 anos foram atendidas.

A maioria dos serviços públicos de reprodução assistida restringe o atendimento às mulheres acima de 38 anos sob alegação de que, a partir dessa idade, as chances de gravidez estão bastante diminuídas. E, por se tratar de verba pública, é preciso priorizar o tratamento daquelas que realmente têm chances de gravidez.

Há um levantamento do grupo do HC mostrando que uma mulher com 45 anos consome de medicamentos para estimulação ovariana o equivalente ao tratamento de três mulheres até 37 anos. Por outro lado, essas mulheres, como cidadãs, têm, por lei, o mesmo direito das mais jovens. Enfim, isso, como dizia a minha avó, ainda vai dar muito pano pra manga.

Nos serviços privados, onde cada tentativa de fertilização in vitro custa de R$ 12 mil a R$ 20 mil, as taxas de gestação em ciclos de reprodução assistida para mulheres com 40 ou mais anos de idade também vem crescendo. Em 96 eram em torno de 10% e, atualmente, varia de 15 a 20%, segundo dados da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida.

É importante lembrar que, nesses serviços privados, toda mulher acima de 43 anos é orientada a tentar engravidar através de uma doação de óvulos de uma mulher mais jovem, o que é chamado de ovodoação. Nessas condições, a taxa de gravidez fica entre 30 a 40%.

Analisando os depoimentos recebidos na coluna, percebo que a maioria das mulheres se surpreende com as dificuldades de gravidez nessa fase da vida, especialmente porque continuam menstruando normalmente, o que lhes passa a falsa idéia de que a saúde reprodutiva está normal. Outra falsa imagem, fabricada especialmente pela mídia, é a de que as clínicas de reprodução resolvem qualquer problema. É chegar e sair com seu bebê. Ledo engano.

Quanto à parte emocional, sabemos que sentimentos de ansiedade, frustração, indignação, tristeza e raiva, assim como incompetência e inferioridade, são acionados quando o assunto é infertilidade. Não é raro observamos nos depoimentos das leitoras como é difícil falar sobre essa questão com familiares, amigos e incluir esse diálogo na própria relação do casal.

Enfim, o recado que acho que consegui deixar nessa conferência foi que é preciso haver reflexão de tais questões. Acredito que os psiquiatras, os psicólogos, os ginecologistas e clínicos-gerais têm papel fundamental na vida da mulher e pode ajudá-la, no mínimo, com informação sobre os riscos da infertilidade, especialmente no que diz respeito ao adiamento da gravidez para idade tardia.

Também acredito que a reflexão sobre o desejo de ter filhos precisa ocorrer junto com a realização dos outros projetos de vida. É comum lermos depoimentos de mulheres que estudaram, formaram-se, fizeram carreira acadêmica e quando se deram conta depararam-se exatamente com esse limite biológico e a dificuldade de gravidez. E esse é um cuidado todas nós devemos ter até para que seja legítima a priorização das outras conquistas na nossa vida. Abraços a todas (os) e boa semana.

Espaço do leitor

Ainda não consegui organizar e responder a imensa quantidade e-mails que chegaram durante e depois das minhas férias. Na medida do possível, tenho respondido a alguns leitores. Acredito que na próxima coluna será possível a publicação de todas as mensagens desse período.

Dúvidas sobre sexualidade

As dúvidas sobre sexualidade, disfunção sexual, problemas no relacionamento ou mesmo a "primeira vez", que muitas vezes atormentam meninos e meninas, de formas e intensidades diferentes, podem ser esclarecidas em bate-papo com o psicólogo Sidnei Di Sessa, Coordenador do Departamento de Psicologia do Instituto H. Ellis, dia 5 de dezembro, às 20h30, pelo site www.hellis.com.br.

O Dr. Sidnei di Sessa é Educador Sexual para adolescentes, professores, pais e profissionais da área de saúde e educação e membro da Associação Brasileira para Estudo da Inadequação Sexual (ABEIS).

PARTICIPE COM OUTROS INTERNAUTAS DO FÓRUM DE INFERTILIDADE
Cláudia Collucci, repórter da Folha de S. Paulo, é mestre em História da Ciência pela PUC-SP e autora dos livros "Por que a gravidez não vem?", da editora Atheneu, e "Quero ser Mãe", da editora Palavra Mágica. Escreve quinzenalmente na Folha Online.

E-mail: claudiacollucci@uol.com.br

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