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Quero Ser Mãe

29/01/2004

Por que a infertilidade não é levada a sério?

CLÁUDIA COLLUCCI
colunista da Folha Online

Peguei-me pensando nessa questão entrevistando recentemente a demógrafa Elza Berquó. Falávamos sobre a queda de 12% da fecundidade no Brasil na última década, especialmente na região Sudeste, e o fato de 44% das mulheres brasileiras terem menos de dois filhos. Ela desmistifica essa história de que os pobres têm um monte de filhos. Atualmente, apenas 6% das mulheres brasileiras têm mais de quatro filhos. Por isso, Berquó acredita que o país não precisa de política de planejamento familiar.

A demógrafa citava vários fatores que explicam por que a mulher brasileira está tendo menos filhos, mas, em nenhum momento, mencionou a infertilidade. Não cheguei a me surpreender com isso. Há pouquíssimos trabalhos sérios no país sobre esse assunto até porque faltam dados estatísticos. Como contabilizar um problema que não aparece no ranking de doenças do Ministério da Saúde? Como saber quantas pessoas realmente sofrem de dificuldades de gravidez, ou não conseguem levar a gestação até o fim (ambos são problemas de infertilidade)?

Nas últimas décadas, caiu no senso comum a idéia de que as mulheres simplesmente não querem ter filhos ou não querem "perder a liberdade". Será que é só isso? Será que parte dessas alegações não é apenas uma cortina de fumaça para esconder o real motivo? Sinceramente não sei. O que tenho em mãos para acreditar que há mais caroço nesse angu do que se pensa são as centenas de e-mails recebidos pela coluna nesses últimos dois anos.

Cientificamente, isso não significa muita coisa. Muitos são desabafos de mulheres que adiaram sua gravidez para idade mais madura e aí se depararam com dificuldades inimagináveis. Acontece que essas dificuldades não são computadas, não são notificadas aos serviços públicos de saúde, ainda que essa mesma mulher esteja sendo acompanhada por um médico. Sem estatísticas é como se o problema não existisse.

Isso sem levar em conta que muitos casais preferem continuar escondendo essas dificuldades. Não os condeno. Afinal, já é tão difícil admitir isso a si próprio que dirá para o mundo. Ocorre que, não sendo falado, o problema também parece minimizado.

Enfim, a demógrafa acredita que no futuro, a exemplo do que acontece com alguns países europeus, que enfrentam baixíssima taxa de crescimento populacional, o Brasil vá ter de incentivar a mulherada a querer ter filhos ou ajudar aquelas com problemas para engravidar.

No momento, já ficaria bem satisfeita se, no mínimo, a infertilidade fosse levada a sério tanto pelos governos quanto pelas sociedades médicas. Ginecologistas e urologistas precisam urgentemente se atualizar e ser capazes de fazer uma investigação séria de seus pacientes ainda no consultório. Têm de parar com essa história de ir receitando indutores de ovulação indiscriminadamente antes mesmo de chegarem a um diagnóstico da causa da infertilidade.

Se isso fosse feito de forma correta, o índice de casos que realmente precisam ser tratados em uma clínica de reprodução seriam bastante reduzidos. E acabaria com esse mito (outro) de que só se trata infertilidade com bebê de proveta. Abraços e até a próxima.

*

Erramos: na coluna anterior passei o meu novo e-mail que, na realidade, não chegou nem a existir. Houve um problema de comunicação, que já foi solucionado. Portanto, quem havia enviado mensagens para o claudiacollucci@folha.com.br, repassem-as novamente para collucci@folhasp.com.
Cláudia Collucci, repórter da Folha de S. Paulo, é mestre em História da Ciência pela PUC-SP e autora dos livros "Por que a gravidez não vem?", da editora Atheneu, e "Quero ser Mãe", da editora Palavra Mágica. Escreve quinzenalmente na Folha Online.

E-mail: claudiacollucci@uol.com.br

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