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Quero Ser Mãe

15/04/2004

Direitos sexuais e reprodutivos: o outro lado da moeda

CLÁUDIA COLLUCCI
colunista da Folha Online

Na última semana, estive bastante envolvida com a questão dos direitos sexuais reprodutivos, especialmente em relação à expansão da distribuição da pílula do dia seguinte na rede pública de saúde e com a votação na assembléia da ONU, em Genebra, de uma resolução que propõe colocar o tema (direitos sexuais e reprodutivos) como uma das prioridades para o novo milênio.

Isso me levou a pensar por que, quando tratado pela mídia ou em eventos das organizações feministas, direitos reprodutivos são relacionados diretamente apenas ao direito de a mulher não ter filhos, de ter acesso aos métodos contraceptivos e poder decidir pelo aborto, já que é dona do seu próprio corpo. Não tenho absolutamente nada contra isso. Pelo contrário, eu, como uma conhecedora da luta de emancipação da mulher, sempre fui defensora dos seus direitos sexuais e reprodutivos.

Pois bem, diante disso tudo, uma questão que muito me intriga é a falta (pelo menos que eu saiba) de uma defesa mais explícita do direito da mulher à maternidade. Já que a mulher hoje pode optar em ser ou não ser mãe (porque muitas pressões sociais estão caindo por terra), como fazer para garantir o direito daquela que quer ser mãe e não consegue pelos meios naturais?

Sempre que trato do assunto com as feministas, elas alegam que não existe esse vácuo, que existe luta também para assegurar esse direito etc, etc. Mas, sinceramente, não consigo me convencer. Talvez seja pura ignorância por desconhecer mesmo lutas que por ventura existam nesse aspecto. Mas, nesses quase 18 anos de jornalismo, nunca presenciei uma mobilização para garantir o acesso de mulheres inférteis a tratamentos assim como há em torno do acesso à mulher a métodos contraceptivos.

Sei há dificuldades ainda bem primárias tais como:

1 - por preconceito ou por falta de informação, as mulheres com dificuldades de gravidez não se manifestam, não se mobilizam, não procuram seus direitos. É óbvio que sem luta não há conquistas;

2 - nunca foi feito um estudo sério mostrando a quantidade de casais inférteis no país. Muita gente ainda pensa que o problema é restrito a uma minoria. Levando em consideração que em apenas dois serviços de reprodução assistida de hospitais públicos de São Paulo --HC e Pérola Byngton-- há filas de espera de quase 20 mil casais à espera de uma chance de se tratar; dá para perceber que esse contigente não é tão minoria assim;

3 - o governo brasileiro ignora sistematicamente o problema da infertilidade por não considerá-lo prioridade de saúde pública. Assim reforça a tese da minimização do problema;

A soma dessas hipóteses leva a um triste fato: a reprodução assistida ainda é uma realidade distante para a maioria das mulheres brasileiras. Elas estão hoje absolutamente sozinhas tanto em suas angústias como na falta de recursos para bancar o tratamento de reprodução assistida. E, o mais triste, é saber que a grande maioria não precisa de procedimentos complexos, como a FIV ou a ICSI; só necessita de uma boa investigação e orientação.

Fico desolada cada vez que sou informada de casos em que o casal raspou a poupança, vendeu o único carro da família ou pediu empréstimo bancário para bancar um tratamento com a ilusão de que vão conseguir a gravidez na primeira tentativa de fertilização in vitro. Poucos sabem que, de fato, as chances de o tratamento não dar certo são de 70%.

Sei que a luta pelos direitos reprodutivos, no contexto do acesso à gravidez, ainda é embrionária. Mas espero poder ver nossas feministas do futuro de olho nos serviços de reprodução assistida como o fazem hoje nos serviços de aborto legal, por exemplo. Quem sabe se aí, finalmente, os dois lados da moeda dos direitos reprodutivos serão respeitados. Abraços a todas e boa semana.

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Cláudia Collucci, repórter da Folha de S. Paulo, é mestre em História da Ciência pela PUC-SP e autora dos livros "Por que a gravidez não vem?", da editora Atheneu, e "Quero ser Mãe", da editora Palavra Mágica. Escreve quinzenalmente na Folha Online.

E-mail: claudiacollucci@uol.com.br

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