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Quero Ser Mãe

16/08/2001

Os polêmicos embriões

CLÁUDIA COLLUCCI
colunista da Folha Online

A questão dos embriões voltou a ter destaque na mídia depois que o presidente dos EUA, George W. Bush, anunciou na TV restrições de fundos governamentais federais para pesquisas com células-tronco, obtidas a partir de embriões de poucos dias (blastocistos) e capazes de se transformar em qualquer tecido do corpo.

Não vou entrar aqui no mérito da decisão do presidente americano e nem no burburinho que isso tem causado na comunidade científica e entre os grupos conservadores e religiosos (clique aqui para saber mais sobre este assunto). O que me intriga nessa história é o total silêncio da comunidade "ético-científica" brasileira para a nossa situação.

É inadmíssível que quase 20 anos depois do nascimento do primeiro bebê de proveta brasileiro e de o país já ter perto de 10 mil crianças nascidas por meio das técnicas de reprodução assistida, ainda não tenhamos uma legislação sobre o assunto no país.

Enquanto dois projetos de lei tramitam "ad infinitum" no Congresso, as regras são ditadas por uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) de 1992 que, entre outras coisas, permite o congelamento de embriões, mas proíbe o descarte ou o seu uso em pesquisas científicas.

Embriões congelados

Uma questão que vem tirando o sono de muita gente é o que fazer com o exército de 15 mil embriões congelados em clínicas de reprodução? Deixa eu explicar melhor essa história. Para fazer uma fertilização in vitro, a mulher toma remédios para produzir vários óvulos. Esses óvulos são retirados e fertilizados com os espermatozóides do marido no laboratório, formando os embriões.

Para evitar a gravidez múltipla, a resolução do CFM determina que, no máximo, quatro embriões sejam transferidos para o útero. O restante deve ficar congelado. Quando a mulher consegue engravidar na primeira tentativa (ela tem mais ou menos 30% de chances), ótimo, os embriões excedentes continuam bonitinhos, congeladinhos nas clínicas.

Quando a mulher não engravida, ela pode voltar à clínica, ter alguns dos seus embriões descongelados e implantados no seu útero, e torcer para que a gravidez dê certo.

Bom, vamos supor que o casal consiga a tão desejada gravidez, tenha o seu (os seus) lindo(s) filho(s) e se dê por satisfeito. Então, o que fazer com os outros embriões excedentes que ficaram congelados. Pela resolução do CFM, os pais não podem autorizar o descarte. A eles só restam duas opções: ou se resignam e correm o risco de ter mais filhos (autorizando a implantação dos embriões) ou fazem a doação desses embriões.

As duas decisões são terríveis: quem acredita que o embrião já é uma vida, conclui que o descarte é o mesmo que um aborto; ao mesmo tempo, quem faz a doação tem a sensação de estar doando um filho a um estranho. Quem dorme com um barulho desses?

Alguns casais preferem pagar uma taxa para manter os seus embriões congelados enquanto pensam em uma solução. Outros simplesmente desaparecem, deixando a bomba nas mãos das clínicas, que não têm outra alternativa senão manter os "bichinhos" congelados esperando que os pais apareçam um dia ou que os nossos legisladores decidam o que fazer com eles.

Mesmo sendo uma prática proibida, algumas clínicas costumam fazer uso, em concordância com o casal, de uma técnica mais requintada de descarte: implantam o embrião em um período pouco provável de a mulher engravidar, durante a menstruação, por exemplo.

Fiscalização

Na falta de fiscalização, cada clínica no Brasil age de acordo com os princípios éticos de seus responsáveis. Muitas são extremamente sérias, com profissionais competentes e confiáveis. Algumas, porém, agem ao bel prazer, fazendo pesquisas questionáveis e apresentando resultados inconsistentes, que, certamente, não suportariam o menor questionamento científico.

Nos últimos anos, conversando com mulheres que fizeram verdadeiras "vias-sacras" pelas clínicas de reprodução, descobri verdadeiras atrocidades. Infelizmente fica difícil denunciá-las porque não existem provas e tampouco os casais estão dispostos a procurar a Justiça porque, muitas vezes, se sentem cúmplices dos médicos.

Entre as atrocidades, soube, certa vez, de uma mulher que autorizou a transferência de oito embriões (o dobro do permitido pela CFM). Resultado: dois se alojaram nas suas trompas e um no útero. Conclusão: ela ficou sem as duas trompas, e perdeu o bebê que estava no útero.

Nessa corrida maluca por um filho, os casais são muitas vezes convencidos pelos médicos de que hoje qualquer problema de infertilidade é facilmente solucionado. A partir disso, topam qualquer coisa para ter um bebê nos braços. Aí é que mora o perigo. Antes de tomar qualquer decisão é preciso pesquisar, entender o procedimento a que está sendo submetido, questionar, se for preciso, consultar outros médicos, enfim buscar informações. É um direito e um dever nosso. É óbvio que devemos confiar nos nossos médicos, mas não custa nada ter senso crítico. Aguardo os seus comentários no collucci@folhasp.com.br.

Espaço dos leitores

No espaço dos leitores de hoje, os médicos Edson Borges e José Gonçalves Franco Júnior tiram as dúvidas sobre trompas obstruídas. Tem também um depoimento especial de uma leitora que fez uma fertilização in vitro aos 19 anos.

Confira os depoimentos aqui.
Cláudia Collucci, repórter da Folha de S. Paulo, é mestre em História da Ciência pela PUC-SP e autora dos livros "Por que a gravidez não vem?", da editora Atheneu, e "Quero ser Mãe", da editora Palavra Mágica. Escreve quinzenalmente na Folha Online.

E-mail: claudiacollucci@uol.com.br

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