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Quero Ser Mãe

26/08/2004

Infertilidade e suas repercussões emocionais

LUCIANE LEIS
especial para a Folha Online

Em geral, procriar e constituir uma família é o desejo da grande maioria dos casais quando se unem. Eles imaginam que tão logo deixem de utilizar os meios contraceptivos irão conseguir a gravidez. Porém, os meses vão passando e ela não acontece, abrindo assim muitas feridas emocionais.

Estar impedido de conseguir a gravidez pode produzir uma crise pessoal ou do casal, afetando principalmente seu bem-estar psíquico, interferindo também nas esferas familiar, social e profissional.

Seger-Jacob (2000) diz que a infertilidade é vivida como um estigma, que causa muitas vezes isolamento e alienação. Em geral, as mulheres sentem como se tivessem quebrado uma regra cultural e consideram as mulheres férteis como "normais", colocando-se numa outra categoria, das "anormais" e, deste modo, se isolam das demais. É como se tivessem uma marca, um defeito e, assim, estivessem fora do padrão esperado.

A incapacidade de gravidez pode gerar diversos tipos de sentimentos entre os casais, como apreensão, tensão, frustração, baixa auto-estima, culpa, vazio, insegurança etc. Além disso, a relação conjugal pode se ver ameaçada diante dessa situação que se instala. Desta forma, questionamentos como seguir em frente ou não podem surgir, principalmente da pessoa que apresenta o fator da infertilidade, pois sente-se como se estivesse limitando a vida do parceiro, uma vez que este não possui nenhum limitante para a concepção.

Em casos como este, seria muito importante um diálogo aberto, onde pudessem ser repensados os objetivos da relação, se o bem-estar na união pode superar o adiamento do projeto de filhos ou não, pois um fato que muitas vezes percebo entre os casais que atendo é que o filho deixa de ser conseqüência de um vínculo amoroso para se tornar finalidade, esquecendo-se todo o histórico de relacionamento que os levou à união.

Além disso, é bastante freqüente os casais tentarem buscar uma possível resposta por estarem passando por essa experiência, não entendem como eles, que têm condições financeiras e afetivas para criar uma criança não engravidam, ao passo que muitas mulheres que não desejam um filho engravidam facilmente. A partir daí, buscam dentro de suas histórias possíveis acontecimentos que estejam os levando a serem castigados; culpam-se por atitudes errôneas, abortos cometidos, vida sexual antes do casamento, relações extra-conjugais entre outros. Vale tudo para preencher esse vazio que fica, como se realmente existisse uma explicação para o que não se pode explicar, uma vez que o início da vida ainda é um mistério.

Somado a todos estes fatores até agora explicitados, existe também a ansiedade que permeia a situação de infertilidade, sendo que é bastante comum as pacientes escutarem, até mesmo dos médicos, que não engravidam porque não conseguem relaxar.

Os resultados de pesquisas sobre os fatores emocionais determinando a infertilidade ainda não são claros e conclusivos, existe muita discussão a respeito do assunto, no entanto, não tem como passar por essa vivência negando qualquer tipo de ansiedade; certo grau de tensão é esperado entre as pacientes, desde que isso não esteja comprometendo drasticamente a sua vida. Percebo inclusive que certas pacientes precisam autorizar- se a ter ansiedade, pois a pressão social sobre elas é tanta que muitas vezes não se permitem demonstrar o que sentem para não acabar sendo criticadas.

A infertilidade por si só é uma experiência estressante. A ansiedade e as oscilações entre esperança e desesperança a cada ciclo que passa causa alterações emocionais impossíveis de serem negadas. Falar sobre o assunto e dividir com o(a) companheiro(a) os sentimentos vivenciados ajuda a aliviar a dor, uma vez que a fala nos dá a possibilidade de reorganizar as idéias e dar um contexto diferente à essa situação vivida. A ajuda de um psicoterapeuta também é aconselhável.

Luciana Leis é psicóloga do setor de Reprodução Humana do Hospital São Lucas e da Corplus

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Cláudia Collucci, repórter da Folha de S. Paulo, é mestre em História da Ciência pela PUC-SP e autora dos livros "Por que a gravidez não vem?", da editora Atheneu, e "Quero ser Mãe", da editora Palavra Mágica. Escreve quinzenalmente na Folha Online.

E-mail: claudiacollucci@uol.com.br

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