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Quero Ser Mãe

08/11/2001

Muco pode matar espermatozóides

CLÁUDIA COLLUCCI
colunista da Folha Online

Existe um tipo de infertilidade feminina que é, no mínimo, muito curiosa. É aquela provocada pelo muco cervical hostil, que permite a passagem do espermatozóide para o útero e tubas uterinas e muda em volume e em quantidade na ovulação.

Por problemas de acidez, causada por distúrbios na ovulação, ou fator imunológico, o muco acaba matando os espermatozóides durante a migração para o local da fecundação (terço distal da trompa de falópio).

Alguns casais se assustam quando recebem o resultado do teste pós-coital (determina a qualidade e quantidade do muco cervical e o número e mobilidade dos espermatozóides no muco no momento da ovulação e após uma relação sexual ter ocorrido) mostrando a "matança" dos espermatozóides.

Nesse teste, geralmente, também é avaliado se a qualidade e a consistência do muco cervical é adequada para a função espermática normal e sua sobrevivência.

Antes de se descabelarem, saibam que há controvérsias. Muitos médicos não acreditam na eficácia do teste pós-coital. É o caso do especialista em reprodução assistida Eduardo Motta. Segundo ele, 70% dos casais que tiveram um teste pós-coital ruim conseguem engravidar naturalmente. Ou seja, isoladamente, o exame não quer dizer muita coisa.

No máximo, ele pode apontar outros problemas, que podem ser detectados de maneira muito mais simples. A hostilidade de um muco cervical pode ser provocada, por exemplo, pela baixa taxa de estrógeno. Uma estimulação ovariana com hormônios seguida de inseminação intra-uterina pode resolver isso, segundo Eduardo Motta.

Essa técnica consiste na injeção de espermatozóides vivos dentro do útero geralmente 36 horas após a ovulação. Mas para que a técnica tenha bons resultados é imprescindível que as trompas estejam permeáveis e que o número e qualidade dos espermatozóides sejam razoáveis. Também é necessário que o médico faça uma detecção precisa do momento da ovulação. A inseminação intra-uterina deverá ser realizada momentos antes ou imediatamente após a liberação do óvulo na cavidade abdominal. As chances de gravidez são de cerca de 30%.

Nos casos em que o homem tem uma ejaculação retrógrada (emissão de sêmen para dentro da bexiga), o procedimento é diferente. Os espermatozóides devem ser recolhidos rapidamente da urina, lavados e isolados em meio de cultura para posterior inseminação.

Moral da história: em casos controversos, como esse do muco, é sempre bom ouvir a opinião de outros médicos. Nada de ficar sofrendo por antecipação, ok?

Projeto polêmico

Só para vocês ficarem ligadas, está tramitando no Senado um projeto de lei, no mínimo, muito polêmico. De autoria do senador Tião Vianna (PT-AC), o projeto prevê, entre outras coisas, a redução do número de embriões produzidos e implantados nas tentativas de fertilização in vitro e a quebra do anonimato nas doações de sêmen e óvulos.

Os especialistas da área de medicina reprodutiva são totalmente contra o projeto porque dizem que as chances de gravidez de um casal infértil serão reduzidas drasticamente.

Hoje, os médicos seguem uma resolução do Conselho Federal de Medicina que limita a quatro o número de embriões transferidos, mas não restringe a produção. O projeto diz que apenas dois embriões podem ser produzidos e transferidos para o útero.

Segundo os médicos, o projeto não leva em conta que, para produzir dois embriões "saudáveis" e com possibilidade de implantação, são necessários pelo menos oito óvulos, que serão analisados e os melhores, selecionados.

Para Edson Borges, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, se os médicos tiverem de partir de dois para fazer essa seleção, metade dos casais não terão embriões para transferir.

Outro problema é a quebra do anonimato nas doações de sêmen e óvulos. Quem, em sã consciência, vai doar material genético sabendo que num futuro próximo poderá ter de se responsabilizar pela criança? As doações, como as de sangue ou de órgãos, são feitas com objetivo humanitário, para ajudar casais inférteis. Na minha opinião, a proposta do projeto é simplesmente absurda e com evidente ranço religioso.

Recentemente, um bispo da CNBB fez até um comentário infeliz em relação a essa questão. Reducionismos à parte, ele disse mais ou menos isso: em vez de recorrer às técnicas de reprodução assistida, a mulher deveria adotar uma criança. É óbvio que toda e qualquer adoção é louvável, mas essa é uma decisão INDIVIDUAL do casal. Ninguém pode opinar sobre isso.

Comentários, dúvidas, sugestões, escreva para collucci@folhasp.com.br. Até a próxima.

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Cláudia Collucci, repórter da Folha de S. Paulo, é mestre em História da Ciência pela PUC-SP e autora dos livros "Por que a gravidez não vem?", da editora Atheneu, e "Quero ser Mãe", da editora Palavra Mágica. Escreve quinzenalmente na Folha Online.

E-mail: claudiacollucci@uol.com.br

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