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Regra 10

31/08/2007

A pátria de chuteiras estrangeiras

EDUARDO VIEIRA DA COSTA
Editor de Esporte da Folha Online

Primeiro foi o paulista Deco. Agora, o alagoano Pepe. O baiano Liédson também está na mira. E a seleção portuguesa do técnico gaúcho Luiz Felipe Scolari vai virando uma filial do Brasil.

Na convocação feita na quinta-feira, Felipão incluiu pela primeira vez Pepe, hoje do Real Madrid, em sua lista. O jogador só não vai atuar nos jogos contra Polônia e Sérvia, pelas eliminatórias da Eurocopa-2008, porque sofreu uma contusão.

Imagino que os portugueses, jogadores ou torcedores, não devem gostar muito dessa situação. Só para fazer uma correlação, tento avaliar qual seria a reação de todos aqui no Brasil à convocação de um estrangeiro naturalizado para a seleção nacional nos dias hoje (já houve no passado, como você verá mais abaixo).

Provavelmente isso nunca mais vai acontecer, mas, se acontecesse, esse jogador ia ter que ser o melhor do mundo a cada jogo. Caso contrário não agüentaria a pressão. Um técnico e mais três jogadores estrangeiros, então, é totalmente inimaginável.

Felipão, no entanto, prevê mais naturalizações no futuro e chama de "hipocrisia" questionar essas trocas de nacionalidade. Eu discordo, pelo menos em parte.

Não tenho nada contra uma pessoa poder se naturalizar em um país onde vive e com o qual cria um verdadeiro laço cultural. E que a partir daí tenha o direito de defender a pátria que escolheu. Mas não me parece que é isso o que acontece na maior parte dos casos ao redor do mundo.

Em 2004, a Fifa já freou um pouco as naturalizações depois que o Qatar ofereceu dinheiro para que os brasileiros Ailton, Dedé e Leandro, que então atuavam no futebol alemão, defendessem sua seleção em busca por uma vaga na Copa-2006.

A partir daquele episódio, vetado, a Fifa estabeleceu que, caso um jogador queira defender outro país que não o seu de nascimento, precisa ter pai, mãe ou avós biológicos nascidos nesse país ou residir por pelo menos dois anos seguidos na nação que pretende defender.

Para mim, isso ainda é pouco. Dependendo do jogador e do país, em dois anos ele não aprende nem a língua local, que dirá criar algum vínculo de fato com a nação.

Parece difícil hoje pensar que algum país possa entrar em campo com 11 naturalizados, mesmo porque o sentimento de nacionalismo sempre vai impedir isso, mas acho que a cada Copa do Mundo vamos ver mais e mais jogadores com nacionalidade trocada. E a coisa toda vai perdendo a graça.

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Só para lembrar que nada é impossível no futebol: Até a metade de 1995, quando foi criada a Lei Bosman, os times europeus podiam ter no máximo três jogadores estrangeiros, incluindo nesta cota os hoje chamados de comunitários. Dez anos depois, em 2005, o Arsenal enfrentou o Crystal Palace sem um único inglês, nem mesmo no banco de reservas. Os 16 relacionados para a partida, assim como o técnico Arsene Wenger (francês), eram estrangeiros.

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Na Copa do Mundo da Alemanha-2006, cinco brasileiros atuaram por outras seleções, Zinha (México), Francileudo (Tunísia), Alex Santos (Japão), Marcos Senna (Espanha) e Deco (Portugal). O próprio país-sede tinha quatro naturalizados, Asamoah (ganês), Lukas Podolski (polonês), Miroslav Klose (polonês) e Oliver Neuville (suíço). Podiam ser cinco, se o brasileiro Kevin Kuranyi tivesse sido convocado, como vinha sendo antes do Mundial.

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Em 2003, o meia Adrianinho, nascido em Jundiaí e que então estava na Ponte Preta, foi convocado para a seleção austríaca por ter parentes e passaporte daquele país. Mesmo sem saber nada de alemão e sem nunca ter estado lá.

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Na contramão de tudo isso, o deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) apresentou no ano passado, logo após a eliminação do Brasil na Copa, o Projeto de Lei 7283/06, que pretendia proibir a convocação para a seleção brasileira de jogadores que estivessem atuando no exterior. Pela proposta, só poderiam integrar o time nacional atletas que estivessem jogando no Brasil nos 12 meses anteriores a qualquer competição internacional. Além disso, todos os que tivessem dupla nacionalidade não poderiam ir para a seleção.

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Consta que pelo menos cinco estrangeiros já envergaram a camisa da seleção brasileira (dados não-oficiais). O primeiro teria sido o escocês Archie McLean, que representou o Brasil em amistoso contra a Argentina em 1913. Também estão na lista o inglês Sidney Pullen (1916/17), o italiano Francisco Police (1918) e o português Casemiro do Amaral (por volta de 1910). Rodolfo Barteczko, o Patesko, que era considerado polonês, apesar de ter nascido em Curitiba, jogou pelo Brasil as Copas do Mundo de 1934 e 1938.

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Um boliviano poderia se tornar o sexto estrangeiro a atuar pela seleção brasileira, mas ele próprio diz preferir a seleção de seu país natal. O atacante Marcelo Moreno, 20, que atualmente defende o Cruzeiro, desembarcou no Brasil em 2004 e já foi convocado para defender a equipe sub-20 do Brasil, mas agora pretende chegar à seleção principal pela Bolívia para, segundo ele, seguir os passos de seu ídolo, Marco Etcheverry.

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Como técnico, a seleção brasileira teve um estrangeiro uma única vez na história. Foi quando, em 1965, o Palmeiras usou a camisa amarela em amistoso diante do Uruguai, na festa de inauguração do estádio do Mineirão. O argentino Filpo Nuñes era o técnico do Palmeiras e comandou o time na vitória por 3 a 0.

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O meia palmeirense Valdívia é hoje um dos principais jogadores da seleção chilena, mas também pode jogar no time dos naturalizados. Ele nasceu em Maracaibo, na Venezuela, filho de pais chilenos. Somente aos 18 anos ele pode optar pela nacionalidade chilena, seguindo a legislação do país.

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Ouça meu podcast, em que comento o Campeonato Brasileiro:

Eduardo Vieira da Costa fala do Campeonato Brasileiro

Eduardo Vieira da Costa foi repórter do diário "Lance" e da Folha Online, onde atualmente é editor de Esporte. Escreve a coluna Regra 10, semanalmente, às sextas-feiras, além de comentar futebol em podcast neste mesmo dia.

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