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Regra 10

21/09/2007

Corintianismo inglês, corintianismo brasileiro

EDUARDO VIEIRA DA COSTA
Editor de Esporte da Folha Online

Na Inglaterra existe um conceito conhecido como Espírito Corintiano (Corinthian Spirit) que diz respeito à maneira como um jogo é encarado. Segundo ele, o importante não é simplesmente vencer, mas sim a maneira como se joga, a postura e o comportamento do atleta.

Tudo começou com o Corinthian Football Club, time lendário de Londres, fundado em 1882, que lutou contra o profissionalismo do esporte e se recusou a integrar a Football League. Preferia disputar apenas amistosos, apesar de ter um timaço na época.

Por conseqüência, o Corintianismo inglês associa-se também a tudo que envolve o fair play, o romantismo no esporte.

Esse Espírito Corintiano esteve presente nos gramados ingleses mais uma vez nesta semana. Leicester City e Nottingham Forest fariam o reinício de um jogo da Copa da Liga Inglesa que havia sido paralisado há cerca de três semanas.

No intervalo do jogo original, o zagueiro do Leicester Clive Clarke sofreu uma parada cardíaca e teve que ser levado ao hospital. Os times decidiram então suspender a partida, temendo pela morte do atleta, o que não ocorreu.

Como Nottingham vencia por 1 a 0, o Leicester decidiu dar um gol logo início da nova partida ao rival, para fazer justiça ao placar anterior. O goleiro Smith correu com a bola, passou pelos adversários parados, cumprimentou seu colega no gol rival e fez o gol.

Apesar da vantagem no placar, o Nottingham acabou derrotado por 3 a 2.

O lance lembrou muito um jogo de 2005 entre o Ajax e o Cambuur Leeuwarden. Ao tentar devolver uma bola ao goleiro rival de muito longe, Jan Vertonghen acabou marcando um golaço por cobertura. Logo em seguida ele pediu desculpas e disse que foi sem querer. Na saída de bola, os jogadores do Ajax ficaram todos parados para o adversário fazer o gol.

Outro exemplo famoso de fair play aconteceu, é claro, na Inglaterra. Em 2001, o atacante Di Canio, que é assumidamente fascista, deu exemplo ao pegar a bola com as mãos e parar uma jogada em que poderia ter marcado para o West Ham com o gol vazio. O goleiro do Everton estava caído no chão, fora da área, contundido. Di Canio recebeu inclusive o prêmio de Fair Play da Fifa naquele ano pelo gesto.

Sempre na Inglaterra. Em 1999, Ray Parlour, do Arsenal, tentou devolver uma bola a um jogador do Sheffield United. Mas o atacante Kanu não quis saber. Interceptou o passe e tocou para Overmars, que mandou para as redes diante de rivais que ficaram parados. O Arsenal venceu por 2 a 1 graças àquele gol, mas o técnico Arsene Wenger resolveu oferecer aos rivais a possibilidade de jogar a partida novamente. Apesar de não ter havido nenhuma irregularidade que justificasse realizar o jogo de novo, a Fifa autorizou os times a jogarem em nome do Fair Play. E o Arsenal venceu de novo.

Mais um caso famoso inglês. Jogando pelo Liverpool contra o Arsenal, em 1997, Robbie Fowler se envolveu em uma jogada com o goleiro David Seaman e caiu dentro da área. O juiz deu pênalti, mas Fowler disse ao árbitro que não havia sido atingido e que não queria a penalidade. Não teve jeito. O juiz manteve a marcação. Na cobrança, Fowler bateu e Seaman pegou. Mas o atacante jurou após o jogo que não perdeu de propósito. Ok.

Agora, uma situação hipotética. Final de Campeonato Paulista entre Corinthians e Palmeiras. Por algum motivo relacionado a Fair Play, os corintianos decidem conceder um gol aos palmeirenses. Na saída de bola no meio-campo, Edmundo carrega a bola sozinho. Todos os jogadores do Corinthians parados. Goleiro parado. Ele chuta e faz o gol.

Praticamente impossível. Inimaginável. Muito provavelmente, o corintianismo brasileiro (leia-se paixão do torcedor) não permitiria uma atitude dessas. Fair Play, aqui, tem limite.

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Um bom exemplo do limite do Fair Play brasileiro é a Copa de 1998. Na decisão contra a França, Rivaldo tocou a bola para fora para que um adversário fosse atendido. Tomou uma bronca de Edmundo: "Isso é aqui é final de Copa do Mundo!".

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O Corinthian Football Club é o time que inspirou o Sport Club Corinthians Paulista a adotar esse nome. Eles viajam ao redor do mundo difundindo o futebol. Em 1939, eles se juntaram ao Casuals e formaram o Corinthian-Casuals Football Club.

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Clique aqui para ver o gol do Nottingham Forest com os jogadores do Leicester parados.

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Veja também o lance de Fair Play do Ajax e o de Di Canio.

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Nem só de Fair Play vive o futebol. Aqui, uma compilação de jogadas violentas e agressões.

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Confira também meu comentário da semana em podcast:

Edu comenta

Eduardo Vieira da Costa foi repórter do diário "Lance" e da Folha Online, onde atualmente é editor de Esporte. Escreve a coluna Regra 10, semanalmente, às sextas-feiras, além de comentar futebol em podcast neste mesmo dia.

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