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Regra 10

05/09/2008

Futebol e crime organizado

EDUARDO VIEIRA DA COSTA
Editor de Esporte da Folha Online

O lançamento do livro "The Fix: Soccer and Organized Crime", do jornalista canadense Declan Hill, me trouxe mais uma vez à cabeça uma série de questões. Será que ainda é possível acreditar no futebol? Será que vale a pena torcer, sofrer, discutir futebol?

Digo mais uma vez porque recentemente, em 2005, tivemos no Brasil o escândalo do apito, que teve como personagem principal o árbitro Edílson Pereira de Carvalho, que admitiu que arranjava resultados no Campeonato Brasileiro.

Se o que está no livro de Hill é verdade --digo isso baseado apenas nas entrevistas do autor e em seu site oficial, já que o livro não foi lançado no Brasil--, então não dá para confiar em mais nada.

O canadense aponta fraude em quatro jogos da Copa do Mundo de 2006, em que os resultados teriam sido arranjados para beneficiar apostadores, incluindo dois jogos da campeã Itália e um do Brasil --3 a 0 contra Gana.

Pois bem, se o que ele diz é verdade, como podemos considerar a Itália como legítima campeã do mundo? Simplesmente não podemos. Eu não posso.

Pelo que pode ser visto no site oficial do jornalista, pelos prêmios conquistados e trabalhos publicados, nada leva a crer que a denúncia é infundada. O livro é resultado, diz Hill, de quatro anos de pesquisas e centenas de entrevistas.

E se houve de fato resultados manipulados na Copa-2006, se isto é realmente possível, o que garante que outros Mundiais não foram arranjados?

Então não daria nem mesmo para considerar o Brasil pentacampeão do mundo. O melhor mesmo seria tentar recomeçar tudo do zero, iniciar novas contagens em todas as competições do mundo.

Quando o Edilson Pereira de Carvalho confessou que tinha manipulado resultados no Brasileiro, pensei a mesma coisa. Quantas vezes será que isso já não aconteceu no passado, quantos campeonatos nacionais não foram roubados, no Brasil e no mundo?

Na Alemanha, também recentemente, houve um outro escândalo deste mesmo tipo. E existem vários outros exemplos de manipulação comprovada, na Itália, em países asiáticos, em tudo quanto é lugar.

O casos em que o roubo (acho que essa é a melhor palavra mesmo) vem à tona são os que chocam a todos, mas eu fico mais preocupado ainda é com os casos em que ninguém nunca descobre nada.

Numa realidade dessas, não vale a pena torcer para nada e para ninguém.

Vale torcer apenas para que sejam de fato casos isolados. E sem apostar nisso.

*

No site oficial do livro, Declan Hill disponibiliza o áudio de uma entrevista com o jogador de Gana Stephen Appiah, que nega diversas vezes que os jogadores de seu país tenham recebido dinheiro para perder jogos na Copa-2006. Ouça nos links abaixo. Como é difícil entender Appiah, há também um link com a transcrição da entrevista em inglês. O trecho que mais me impressionou é este:

Declan Hill: Você sabe o cara chinês pequeno, com uma cara redonda?

Stephen Appiah: Sim, sim. Eu não sei o nome dele. Mas como você conhece esses caras?

Hill: Bem, é porque é sobre isso que eu faço pesquisa. Eu procuro crime organizado. E esses caras são apostadores da Ásia

Appiah: Sim, mas se você publicar isso, essas pessoas virão para me matar.

Hill: Desculpe, o que foi Stephen?

Appiah: Sim, se você escrever isso no seu livro, que eu falei, esses caras, esse Allan, eu não me lembro de seu nome, e disser blá, blá, blá, eles vão vir e me matar.

Hill: Por que eles te matariam, Stephen?

Appiah: Porque você iria dizer que talvez eu estou tentando armar para eles.

Áudio 1

Áudio 2

Áudio 3

Áudio 4

Áudio 5

Áudio 6

Transcrição

*

A capa do livro de Hill nas versões em italiano e francês é livremente inspirada no pôster do filme "O Poderoso Chefão". Bastante apropriado.

*

Para saber mais sobre o caso, confira entrevista de Hill à revista alemã Der Spiegel. Em inglês.

Eduardo Vieira da Costa foi repórter do diário "Lance" e da Folha Online, onde atualmente é editor de Esporte. Escreve a coluna Regra 10, semanalmente, às sextas-feiras, além de comentar futebol em podcast neste mesmo dia.

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