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Regra 10

03/10/2008

Bicicleta, chilena, chalaca

EDUARDO VIEIRA DA COSTA
Editor de Esporte da Folha Online

De todas as jogadas possíveis, a bicicleta é a mais emblemática do futebol-arte. Ninguém no mundo fica indiferente diante de um gol de bicicleta. Para realizá-la, é preciso habilidade e técnica. Muito mais habilidade e técnica, por exemplo, do que para dar "pedaladas", essa jogadinha de ficar passando o pé em redor da bola que nos últimos tempos ganhou status de futebol bonito, mas que compartilha com a bicicleta apenas a origem "ciclística" do nome.

Certamente alheio à nomenclatura dada pelos brasileiros à jogada, o argentino Facundo Quiroga aplicou toda sua técnica em uma bela chilena no último domingo. E antes que alguém possa achar que o jogador do River Plate tenha tentado seduzir alguma moça do país vizinho, é necessário explicar que a tal chilena é a nossa bicicleta, acrobacia que tem origem controversa.

Mas nem Leônidas e nem o hispano-chileno Ramón Unzaga --de quem surgiu o nome chilena--, nem tampouco outros possíveis criadores da jogada, como Petronilho de Brito ou o italiano Carlo Parola, e nem mesmo os peruanos, que chamam o chute de chalaca e também reivindicam sua paternidade, fariam como fez Quiroga.

Ele elevou o corpo a uma altura razoável do solo, impulsionando-o com a perna esquerda. Com a direita, acertou a bola, que vinha de um cruzamento (de primeira). Com um movimento clássico, balançou as redes. Um golaço.

Mas, em vez de comemorar, Quiroga socou o gramado do Monumental de Núnez. O gol, inexplicavelmente, foi contra. E, se é impossível ficar indiferente a um gol de bicicleta, que se dirá de um gol de bicicleta contra. Ou de chilena. Ou de chalaca. Ou até mesmo de overhead kick.

A jogada mais bonita do futebol sempre se torna muito feia quando é utilizada na defesa. Em geral, os zagueiros que tentam tirar bolas de bicicleta são os que, ao contrário dos atacantes, têm pouca técnica e habilidade. Na maior parte das vezes, quando apelam para a bicicleta, os defensores já estão em situação complicada na jogada. E não raramente acabam fazendo bobagem.

Como fez Quiroga, que entra para a história com um dos gols contra mais bonitos de toda a história do futebol. Quanto a isso não haverá controvérsia. Ou talvez haja alguma, provavelmente de algum chileno dizendo que aquilo não foi uma chilena, e sim uma bicicleta, ou de um brasileiro que afirme que a jogada caracteriza uma perfeita chalaca e assim por diante.

De tão arrasado, Quiroga acabou conseguindo uma meia-redenção na mesma partida. Após ter aberto o marcador, fazendo 1 a 0 para o Racing, ele voltou a balançar as redes no final, quando o rival vencia por 3 a 2, e garantiu o empate por 3 a 3 para o River.

"Gooool, Quiroga, A FAVOR", ressaltou o narrador da TV argentina.

De cabeça, não de bicicleta.

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Confira como foi o gol contra de bicicleta de Quiroga.

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Foi em um campeonato de juniores, mas já havia acontecido no Brasil um gol de bicicleta contra, em um empate por 1 a 1 entre Cruzeiro e Flamengo na Taça BH. Ainda mais bonito que o de Quiroga. Inacreditável.

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Esse outro link mostra uma coletânea de gols contras do Brasileiro de 2005. Vale pelos dois de Júnior Baiano (o primeiro também pode ser chamado de golaço) e pelo de Carlos Alberto, ainda pelo Corinthians, que coincidentemente marcou nesta semana pelo Botafogo de bicicleta!

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E só pela memória do futebol, vale relembrar esse gol de cabeça do Oséas no clássico entre Palmeiras e Corinthians.

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- Tempos atrás escrevi neste espaço algumas curiosidades sobre gols contra que também valem ser relembradas. Como por exemplo o caso do jogador belga Stan van den Buijs, que fez três gols contra num só jogo. Atuando pelo Germinal Ekeren, ele marcou três gols para o Anderlecht em jogo da temporada 1995/96 --o Anderlecht acabou vencendo por 3 a 2. Ou seja, se ele não estivesse em campo, seu time provavelmente venceria por 2 a 0!

- Em 1976, Chris Nicholl, nascido na Inglaterra, mas que jogou muito tempo na seleção da Irlanda do Norte, marcou todos os quatro gols no empate de seu time, o Aston Villa, por 2 a 2 com o Leicester City.

- Em 1984, Gary Mabbutt, do Tottenham, marcou o gol do título do Coventry na final da FA Cup, já nos acréscimos. Como "agradecimento", o Coventry mantém até hoje um fanzine que leva o nome de Gary Mabbutt's Knee (Joelho de Gary Mabbut).

Eduardo Vieira da Costa foi repórter do diário "Lance" e da Folha Online, onde atualmente é editor de Esporte. Escreve a coluna Regra 10, semanalmente, às sextas-feiras, além de comentar futebol em podcast neste mesmo dia.

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