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Regra 10

16/01/2009

A guerra da seleção palestina de futebol

EDUARDO VIEIRA DA COSTA
Editor de Esporte da Folha Online

O grande astro da festa de gala da Fifa referente a 2008 foi Cristiano Ronaldo, eleito melhor do mundo, mas um outro prêmio, que passou quase despercebido, me chamou a atenção. A Palestina recebeu condecoração na categoria Desenvolvimento (Development Award). Em meio à guerra.

Confesso que nem mesmo sabia que os palestinos tinham uma seleção nacional. Ou que podiam ter. Isso porque não existe de fato um país chamado Palestina, hoje, perante a ONU (Organização das Nações Unidas).

Mas a Fifa registra a Palestina como nação desde 1998. A entidade máxima do futebol mundial, aliás, orgulha-se de ter mais filiados que a ONU. São 208 países reconhecidos pela Fifa, contra 192 registrados na ONU.

O prêmio foi dado à Palestina depois da realização, no ano passado, do primeiro jogo entre seleções em território palestino. Até então, o time tinha que jogar suas partidas como mandante na Jordânia ou no Qatar.

Para a Palestina jogar em casa, a Fifa comandou a reforma do estádio Al-Husseini, na cidade de Al-Ram, perto de Ramallah, na Cisjordânia. Além de investir na arena, contou com doações da França, da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos para adequar o local minimamente aos padrões para jogos internacionais.

No dia 26 de outubro, Palestina e Jordânia se enfrentaram em jogo histórico, diante de 5,5 mil pessoas (lotação máxima do estádio). A partida acabou com empate por 1 a 1.

Podia ser o início de uma nova era para o futebol palestino. Mas não foi.

Como disse o presidente da Fifa na festa de segunda-feira, o prêmio serve como reconhecimento pela difícil tarefa de manter o futebol vivo na região. E como é difícil.

A precária ligação entre os palestinos da Faixa de Gaza e os da Cisjordânia, com Israel no meio, prejudicou o jogo histórico com a Jordânia. Pelo menos seis jogadores, entre eles o capitão do time, foram impedidos de viajar de Gaza para Al-Ram e perderam a partida. Outros jogadores estavam presos por conta de conflitos com Israel.

Segundo a visão de palestinos, Israel tenta coibir expressões de coletividade e de representação da identidade nacional palestina. E isso incluiria o futebol.

Verdade ou não, o fato é que os ataques militares atuais estão minando ainda mais a seleção local. Segundo diversos veículos de imprensa, três jogadores que são ou foram do time palestino morreram nesta semana devido a bombas.

E o estádio Rafah, de Gaza, foi destruído nos ataques.

Aos sobreviventes da região, talvez valha um prêmio de reconhecimento pela difícil tarefa de simplesmente manter-se vivo. Mais difícil que manter o futebol vivo.

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Um estádio de futebol na Faixa de Gaza já havia sido parcialmente destruído em 2006, em um ataque israelense. Segundo Israel, o campo era utilizado para lançamento de mísseis por palestinos.

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A Palestina tentou entrar na Copa do Mundo pela primeira vez em 1934, mas acabou perdendo a vaga em campo para o Egito --foi derrotada em Jerusalém e no Cairo. Depois, fora da Fifa, ficou cerca de 60 anos sem tentar novamente. De volta à Fifa em 1998, após a criação da autoridade palestina, falhou nas tentativas de entrar nos Mundiais de 2002 e 2006. Para a Copa da África do Sul-2010, também já está fora. Nas preliminares das eliminatórias asiáticas, em mata-mata diante de Cingapura, os palestinos perderam o primeiro jogo, como mandantes, em Doha, por 4 a 1. O jogo de volta seria em Cingapura, mas a Palestina perdeu por WO (o placar registrado foi de 3 a 0) porque o time não conseguiu visto para viajar.

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O documentário Goal Dreams, de 2006, de Maya Sanbar e Jeffrey Saunders, mostra as dificuldades da seleção palestina na preparação para as eliminatórias da Copa do Mundo de 2006, com jogadores vindos de várias partes do mundo, falando diferentes línguas e sem um país de fato para defender.

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A posição atual da Palestina no ranking da Fifa é a 180ª. À frente das Ilhas Virgens Britânicas e atrás do Camboja.

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A seleção palestina tem forte ligação com o Chile, país que conta com uma colônia de cerca de 500 mil palestinos ou descendentes, considerada a maior fora do Oriente Médio. Existe inclusive um clube chamado Palestino, em Santiago. A equipe já foi campeã chilena em duas oportunidades, em 1955 e 1978. E diversos chilenos-palestinos jogam ou já jogaram na seleção palestina.

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Não existe uma liga nacional que promova um "Palestinão" com regularidade. Mas os clubes palestinos fazem, sim, campeonatos nacionais. A fórmula mais interessante é a divisão de duas ligas, uma na Faixa de Gaza e outra na Cisjordânia, com os vencedores de cada uma disputando o título nacional.

Eduardo Vieira da Costa foi repórter do diário "Lance" e da Folha Online, onde atualmente é editor de Esporte. Escreve a coluna Regra 10, semanalmente, às sextas-feiras, além de comentar futebol em podcast neste mesmo dia.

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