Colunas

Regra 10

03/07/2009

"Notícia" oficial e credibilidade

EDUARDO VIEIRA DA COSTA
Editor de Esporte da Folha Online

Imagine a seguinte situação, totalmente hipotética --que fique bem claro!--, apenas para efeito ilustrativo: a CBF tem um canal próprio na TV a cabo e um de seus repórteres descobre um caso de doping antigo do atacante Ronaldo, hoje maior estrela do Corinthians. Você acha que esse canal faria a matéria e daria esse furo ou encobriria o caso e preservaria o atleta e os lucros que ele pode gerar?

É possível que a história fosse revelada. Mas é muito provável que não.

A CBF não tem um canal de TV. E Ronaldo jamais foi pego por doping. Mas nos EUA uma história semelhante ocorreu na liga de beisebol e inspirou uma série de textos no site Nieman Lab, ligado à Universidade de Harvard (EUA), que estuda o futuro do jornalismo na era da internet.

A MLB (Major League Baseball) lançou, no início deste ano, seu canal na TV a cabo dos EUA. Um mês depois, teve que lidar com um escândalo de doping de uma de suas principais estrelas, Alex Rodriguez, hoje no NY Yankees.

Apesar de se tratar de um canal oficial, a cobertura feita pelo MLB Network foi elogiada por muita gente, inclusive de órgãos tradicionais de imprensa, por não ter tentado esconder fatos ou proteger o jogador, mesmo que isso representasse um problema para a credibilidade da liga.

Mas quem deu a notícia em primeira mão foi a revista tradicional Sports Illustrated. Diante do fato tornado público, a MLB Network teve como mérito apenas não ignorar o caso. Com o estrago já feito, de certa forma a TV usou o incidente para ganhar uma aura de credibilidade.

O problema é saber até que ponto pode haver credibilidade quando o objeto da notícia e meio pelo qual a notícia é divulgada são a mesma coisa. O que será mais importante na MLB Network, o interesse dos telespectadores ou os da liga?

Uma das grandes questões ligadas às transformações no jornalismo e nos meios de divulgação jornalística diz respeito a como será a nova relação com os leitores (ou expectadores, ouvintes etc) que deixaram de ser passivos e passaram a ter papel ativo na produção e distribuição da notícia nesta nova era digital.

Em sua série de textos para o Nieman Lab, Justin Rice faz uma outra pergunta, talvez ainda mais complexa: como fica a coisa toda quando o próprio objeto da notícia passa a ser ao mesmo tempo veículo jornalístico?

Além da MLB Network, existem nos EUA a NFL Network (do futebol americano) e NBA TV (basquete).

Em relação a outros jornalistas, estes veículos são fontes, competidores ou algum tipo de híbrido, questiona Rice em um dos textos. A pergunta não tem resposta.

E o que é bastante curioso é que, enquanto jornais buscam entrevistas com representantes das ligas, dos times e jogadores, os veículos ligados a estas ligas parecem recorrer com frequência a entrevistas com os jornalistas dos veículos mais tradicionais. E assim fica tudo invertido, literalmente.

A série escrita por Justin Rice entra ainda na questão sobre as restrições impostas à imprensa tradicional por essas grandes ligas esportivas nos EUA, como por exemplo impedir que veículos de internet divulguem entrevistas de atletas mais longas do que um número de segundos pré-determinado. Mas esse assunto, tão ou mais polêmico, fica para outra coluna.

*

Falando em novas formas de contato com o público, os sites oficias de clubes de futebol e os blogs de atletas são prova de que essas instituições e pessoas têm hoje um caminho fácil de divulgar o que é de seu seu interesse, sem intermediação de ninguém. Mas, repita-se, esses canais divulgam o que é de seu interesse, e não necessariamente o que é de interesse do público.

*

O melhor exemplo de contato direto com o público que pode haver aconteceu na demissão do técnico Vanderlei Luxemburgo. A notícia foi dada em primeira mão por ele próprio, via Twitter e seu blog no UOL. Um caso sem precedentes, creio eu, no jornalismo esportivo brasileiro.

*

Só mais um último pitaco. Sobre a polêmica causada por a seleção brasileira ter transformado o estádio em uma verdadeira igreja na comemoração da conquista da Copa das Confederações, acho que houve, sim, exagero dos jogadores e comissão técnica. Nada contra uma outra manifestação isolada da crença religiosa de cada um, mas usar o estádio lotado para divulgar mensagens em camisas, criar círculos de orações e tudo aquilo em frente às câmeras e aos presentes no estádio não me parece apropriado. A Fifa, apesar de já ter deixado que não vai punir ninguém, também não gostou. Como disse Ricardo Acampora em seu blog na BBC Brasil, será que a tolerância de todos seria a mesma se um jogador mostrasse uma camiseta dizendo "Eu não acredito em Deus"?

*

Mais pitacos, eventualmente, no meu Twitter.

Eduardo Vieira da Costa foi repórter do diário "Lance" e da Folha Online, onde atualmente é editor de Esporte. Escreve a coluna Regra 10, semanalmente, às sextas-feiras, além de comentar futebol em podcast neste mesmo dia.

FolhaShop

Digite produto
ou marca