LARISSA SQUEFF
da Folha Online

A grande crise da Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor) de São Paulo começou em outubro de 99, quando quatro adolescentes foram mortos _um deles decapitado e dois carbonizados_ durante uma rebelião na extinta unidade Imigrantes, na zona sul da capital.

O motim foi o mais violento registrado na história da fundação. Mais de 1.000 dos 1.216 infratores da Imigrantes fizeram 16 funcionários e outros internos como reféns e colocaram fogo em três prédios.

Dias mais tarde, o governador Mário Covas (PSDB) desativou a Imigrantes e disse que iria dedicar metade de seu dia para a Febem.

No início de novembro, os internos da Imigrantes foram transferidos para os Cadeiões de Pinheiros, na zona oeste, e de Santo André, na região do ABC, e para o COC (Centro de Observação Criminológica), do Carandiru, na zona norte.

O governo prometeu então que a transferência para sistemas prisionais, o que é proibido pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), seria uma medida de emergência e logo os jovens seriam transferidos.

A então secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Marta Godinho, foi demitida, sendo substituída, em dezembro, por Edsom Ortega.

Ortega assumiu o controle da Febem prometendo iniciar o processo de descentralização. Ele desenvolveu e anunciou o Projeto Novo Olhar, que entre outras metas, visa criar unidades com capacidade para no máximo 80 internos.

Em janeiro, a Febem começou a construir a unidade de Franco da Rocha. O local tem capacidade para 960 internos e sua construção causou indignação por parte dos representantes da sociedade civil, integrantes de entidades de direitos humanos e também dos promotores da Vara da Infância e da Juventude.

Eles alegaram que a construção da unidade de Franco da Rocha ia contra o projeto anunciado pela própria secretária. Ortega afirmou que as unidades seriam pequenas, mas dentro de um grande complexo.

O padre Julio Lancellotti afirmou que o modelo é semelhante ao existente na Febem do Tatuapé e na extinta Imigrantes, que tinha várias pequenas unidades.

Em abril deste ano, a secretaria admitiu que estava reformando o presídio de Parelheiros, na zona sul, para abrigar os internos dos cadeiões e do COC. A notícia também provocou reação de promotores, que conseguiram uma liminar na Justiça proibindo a transferência. A liminar foi suspensa.

Sete meses depois de serem colocados nos cadeiões, os jovens que estavam no local ainda não haviam sido transferidos. O secretário prometeu transferi-los para o presídio de Parelheiros, no extremo sul da cidade já naquela semana.

Tanto a perspectiva da transferência para Parelheiros quanto para Franco da Rocha causou revolta dos adolescentes, que nas últimas semanas promoveram diversas rebeliões e motins para tentar evitar as transferências.


VEJA A CRONOLOGIA DA CRISE NA FEBEM:

15.nov.99 - Famílias de internos denunciam maus-tratos no Cadeião de Pinheiros ao Ministério Público de São Paulo.

24.nov.99 - A Febem transfere adolescentes para o Cadeião de Santo André.
21.dez.99 - Ministério Público pede ao Departamento de Execuções da Infância e Juventude da Capital (Deij) que determine a transferência dos adolescentes dos cadeiões.

22.dez.99 - Deij determina a retirada dos adolescentes.

26.dez.99 - Um adolescente é espancado até a morte por outros internos no cadeião de Santo André.

30.dez.99 - TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo cassa a liminar da Deij.

3.jan.00 - Ministério Público de São Paulo solicita à Deij que mande a Febem melhorar a estrutura do prédio de Santo André e pede que os menores tenha acesso à escolarização e cursos profissionalizantes em todas as unidades provisórias.

5.jan.00 - Dois internos da Febem fogem do Cadeião de Santo André, na região do ABC. Eles pulam o muro de seis metros.

É a terceira vez que internos da Febem escapam de cadeias públicas na Grande São Paulo, desde o final de outubro de 99, quando começaram as transferências dos garotos para unidades provisórias.

6.jan.00 - Deij determina que a Febem obedeça o Ministério Público. Os promotores pedem intervenção das Vigilâncias Sanitária e Epidemiológica no Cadeião de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Há casos de adolescentes que dizem ter sido mordidos por ratazanas e outros que informaram estar com sarna (escabiose).

7.jan.00 - A Justiça dá prazo de 45 dias para que a Febem reforme o Cadeião de Santo André. A liminar é cassada uma semana mais tarde.

14.jan.00 - Dez internos do Cadeião de Santo André se rebelam e fazem seis monitores como reféns.

18.jan.00 - Uma rebelião de três horas deixa dois feridos e provoca vários estragos no prédio da Febem de Ribeirão Preto (319 km de SP). Os menores fazem dois monitores de reféns. Um interno sofre um corte na cabeça e um monitor tem ferimentos no rosto.

TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo cassa a liminar da Deij.

24.jan.00 - Um grupo de 23 internos consegue escapar do Cadeião de Santo André. Eles fogem pela porta da frente.

31.jan.00 - Cinco homens armados invadem a unidade da Febem no Jardim Robru, zona leste de São Paulo, e resgatam 11 menores.

5.fev.00 - Onze funcionários da Febem são mantidos como reféns durante rebelião na unidade de Franco da Rocha (40 km de São Paulo). Os internos estavam armados com pedaços de madeira e ferro.

20.fev.00 - Rebelião na unidade da Febem no Tatuapé, na zona sudeste de São Paulo, deixa pelo menos 27 pessoas feridas, entre elas, 22 internos. O motim destrói parcialmente as instalações da Febem no Tatuapé.

21.fev.00 - Dezessete adolescentes, todos com 18 anos, que participaram da rebelião na Febem Tatuapé são indiciados no 81º DP (Belém), sob a acusação de tentativa de homicídio, danos e formação de quadrilha.

1.mar.00 - Seis menores fogem da Febem Raposo Tavares, na zona oeste. Uma queda de energia na unidade facilita a fuga de seis menores.

Em Campinas, pelo menos dez adolescentes fogem de uma unidade.

8.mar.00 - Febem do Tatuapé tem fuga de 50 jovens.

9.mar.00 - Pelo segundo dia consecutivo, os menores infratores da Febem do Tatuapé se rebelam. Dois conseguem fugir.

11.mar.00 - Febem do Tatuapé tem nova rebelião. Cerca de 60 internos de 3 das 22 unidades da Febem do Tatuapé, em São Paulo, se rebelam. Eles queimam colchões e sobem nos telhados.

17.mar.00 - O secretário de Assistência e Desenvolvimento Social do Estado, Edsom Ortega, anuncia a nova diretoria da Febem.

Ele diz que não traz como meta a redução para zero do número de fugas na instituição.

25.mar.00 - Três adolescentes fogem da Febem do Guarujá, litoral paulista, três dias depois de a unidade ter começado a funcionar.

O prédio recém-reformado da Febem, com 72 vagas, recebe o primeiro grupo de 14 internos dois dias antes.

27.mar.00 - 22 internos fogem da Febem Tatuapé.

28.mar.00 - 59 internos da Febem do Itaim Paulista, na zona leste, se rebelam. Nenhum deles consegue fugir.

Pelo menos cinco adolescentes fogem da Febem da Raposo Tavares.

15.abr.00 - Cerca de 300 menores do cadeião de Santo André se rebelam após uma tentativa de fuga. A confusão ocorre em protesto contra a transferência para o presídio de Parelheiros.

16.abr.00 - Laudos técnicos indicam que cerca de 900 internos da Febem, considerados de alta periculosidade, estão sendo submetidos a maus-tratos e condições de vida subumanas. No cadeião de Pinheiros, a falta de higiene atinge inclusive o ambulatório. Garotos contam que as roupas são guardadas no chão e trocadas somente uma vez por mês. Até 60 pessoas dividem um sabonete.

Pelo menos cinco adolescentes fogem da Febem da Febem Raposo Tavares.

19.abr.00 - Promotores da Vara da Infância e da Juventude de São Paulo confirmaram que o presídio de Parelheiros, na zona sul, é inadequado para abrigar adolescentes infratores, após uma visita feita ao local.

O Movimento Nacional de Direitos Humanos e o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente também denunciam as condições do presídio.

24.abr.00 - Adolescentes do Cadeião de Santo André iniciam nova rebelião. Cerca de 230 internos, armados com paus e barras de ferro, queimam parte do prédio, ocupam o telhado, montam barricadas na entrada do cadeião e fazem 12 funcionários reféns. Eles protestam contra a transferência para o presídio de Parelheiros.

25.abr.00 - Ministério Público Estadual consegue liminar na Justiça proibindo a transferência dos internos dos Cadeiões de Santo André e Pinheiros para o presídio de Parelheiros.

2.mai.00 - Internos da Febem do Tatuapé se rebelam por mais de duas horas. Pelo menos quatro adolescentes fogem. Um monitor fica ferido. Os jovens não querem ser transferidos para o presídio de Parelheiros.

A Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento consegue suspender a liminar que proibia a transferência de internos para o presídio de Parelheiros.

69 internos da Febem Tatuapé são transferidos para Franco da Rocha, onde já existem aproximadamente 200 jovens.

7.mai.00 - A unidade Febem de Franco da Rocha enfrenta sua primeira rebelião.

8.mai.00 - O secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, Edsom Ortega, diz, em entrevista coletiva, que a rebelião na unidade de Franco da Rocha aconteceu porque a unidade ainda não estava pronta.

No final da tarde, os internos fazem nova rebelião na unidade de Franco da Rocha.

Cerca de cem internos fizeram um início de rebelião no Cadeião de Santo André, na região do ABC, em São Paulo.

Quatro menores fogem da unidade da Febem do Guarujá. Dois vigilantes e três coordenadores de turno são condenados por facilitação de fuga e prevaricação.

9.mai.00 - O presídio de Parelheiros, no extremo sul de São Paulo, ainda conserva características de um presídio convencional e desrespeita cinco artigos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e um artigo da Constituição federal.

10.mai.00 - Internos que foram transferidos para a unidade de Franco da Rocha, na Grande São Paulo afirmam que é mais fácil escapar do local do que do complexo do Tatuapé, na zona leste da cidade, de onde vieram.

15.mai.00 - Menores da unidade da Febem de Franco da Rocha (Grande São Paulo) realizaram a terceira rebelião em duas semanas de operação do local. É a primeira vez que internos fogem da unidade. Dos 40 que escaparam, 23 haviam sido recapturados até o início da noite.

16.mai.00 - Mais de cem menores da unidade da Febem de Franco da Rocha (Grande São Paulo) se rebelaram por volta das 19h. Pelo menos cinco funcionários e um menor ficaram feridos no tumulto. Foi o quarto motim na unidade desde sua inauguração, no dia 2 de maio.

27.mai.00 - A unidade da Febem do Guarujá registrou mais uma rebelião por volta das 21h. Vinte e um adolescentes arrombaram a porta do alojamento onde estavam, chegaram até a cozinha do complexo e começaram a quebrar móveis, aparelhos domésticos e outros utensílios do local. Um menor conseguiu fugir.

29.mai.00 - Um grupo de adolescentes do circuito grave da unidade Tatuapé da Febem entrou em confronto com monitores por volta da 0h30 da segunda-feira (29). Nenhuma fuga foi registrada, ninguém ficou ferido e a situação já estava sob controle à 1h da madrugada.

2.jun.00 - Cerca de 50 menores iniciaram uma nova rebelião na unidade Tatuapé da Febem. Os internos colocaram fogo em, pelo menos, três pavilhões. Não há informações de fugas.

5.jun.00 - Três adolescentes fugiram da unidade da Febem de Campinas na noite de domingo. Outros dois tentaram a fuga mais foram recapturados. Desde janeiro, fugiram 52 adolescentes em 12 ocorrências.

23.jun.00 - Vinte e cinco adolescentes das unidades da Febem do Itaim Paulista (zona leste de São Paulo), da Raposo Tavares e de Campinas fugiram na noite dos dias 22 e 23.

3.jul.00 - Cinco adolescentes fogem da Febem de Campinas (antiga Unipai) após renderem dois monitores com estiletes. Houve princípio de rebelião. Ninguém ficou ferido.

23.jul.00 - Cerca de 130 internos se rebelam na unidade da Febem de Parelheiros, na zona sul de São Paulo. Durante o motim, os internos mantiveram dois funcionários como reféns.

9.ago.00 - Cerca de 100 menores infratores se rebelam na unidade de Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Por volta das 22h30 horas, os menores de uma das alas da UE-31 atearam fogo em colchões e destruíram parcialmente os alojamentos. Armados de paus e pedras, os menores subiram nos telhados da unidade e ameaçaram realizar uma fuga em massa.

10.ago.00 - Seis menores fogem da unidade da Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor) de Ribeirão Preto (319 km de São Paulo).

11.ago.00 - O menor V.L., 17, é assassinado a golpes de estilete. Seu corpo é levado para o teto da unidade e queimado por internos em rebelião na unidade da Febem de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo. Outros cinco menores e 11 monitores ficaram feridos no motim.

10.11.00 - Quatro menores infratores fogem durante rebelião na Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor) de Parelheiros, zona sul de São Paulo, segundo a Polícia Militar. A Febem não confirmou a informação.

13.11.00 - A unidade da Febem (Fundação do Bem Estar do Menor) em Raposo Tavares, na zona sudoeste de São Paulo, registra duas fugas no mesmo dia.

14.11.00 - A unidade da Febem (Fundação do Bem Estar do Menor) em Raposo Tavares, na zona sudoeste de São Paulo, registra fuga em massa. De acordo com a assessoria de imprensa da entidade, todos os 85 internos da unidade tentaram escapar.

20.12.00 - A unidade da Febem de Parelheiros, na zona sul de São Paulo, registra uma fuga de 163 menores infratores. Foi a maior ocorrida na instituição desde outubro de 99, quando fugiram cerca de 360 adolescentes de uma só vez do Complexo Imigrantes.

28.12.00 - Dezessete menores fogem da unidade da Febem do Tatuapé, na zona leste de São Paulo. Quinze são recapturados.