Paralisação beneficia aluno a longo prazo, diz sindicato

ANTÔNIO GOIS
da Folha de S.Paulo

A presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), Maria Izabel Noronha, nega que o único objetivo da greve dos professores do Estado seja reivindicar aumento salarial. Na pauta apresentada ao governo Mário Covas, exige-se que a remuneração seja corrigida em 54,71%.

"Estamos defendendo a melhoria do ensino público. Os beneficiados com o nosso movimento, a longo prazo, serão os alunos", diz.

Ela afirma que o percentual de aumento dado pelo governo estadual nos últimos cincos anos (a Apeoesp contesta os números divulgados pela Secretaria de Estado da Educação) não é a principal discussão a ser feita. De acordo com a secretaria, o aumento real atingiu 68%.

"Será que um salário de R$ 741 por 30 horas de aula é digno para um professor? Não quero discutir se, em cinco anos, o governo deu X ou Y de aumento. Quero discutir se esse salário é garantia de qualidade de ensino", afirma. Izabel também discorda quando a secretaria diz que não há dinheiro para dar aumento. "Houve aumento de 15% na arrecadação do ICMS. Por que esse dinheiro não vai para a educação?"

Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista concedida à Folha na última sexta-feira.

Folha - A secretaria afirma que nunca um governo aumentou tanto o salário dos professores como nos últimos anos? Por que, então, fazer a greve?

Maria Izabel Noronha - Eu convidaria a secretária Rose Neubauer a viver com o meu salário e a desenvolver um bom trabalho com as condições dadas por essa secretaria. Ela coloca que um salário médio de R$ 1.050 por uma jornada de 40 horas é suficiente para dar um ensino de qualidade. O professor, com esse salário, vai sempre buscar uma segunda ou terceira jornada, nas prefeituras ou na rede particular.

Folha - A pauta da Apeoesp não é muito corporativista e restrita apenas à questão salarial?

Maria Izabel - De jeito nenhum. Há um descontentamento em relação às péssimas condições de trabalho, que acabam afetando a qualidade. Os alunos também sentem essa perda. Antes da reforma do currículo feita por esse governo, eles tinham mais tempo de aula. A secretaria criou o que eles chamam de intervalo pedagógico, o que reduziu o tempo do aluno em sala de aula. Isso faz com que o aluno perca uma aula por dia. Não são precisos intervalos pedagógicos. Isso já acontecia naturalmente antes, sem que fosse necessário reservar cinco minutos. Ninguém melhor do que o professor para administrar esse tempo. Isso tem de ser revisto. Os alunos estão perdendo em conhecimento.

Folha - O fim da repetência, que a Apeoesp critica tanto, não é uma medida boa para o aluno?

Maria Izabel - Eu prefiro chamar a política do governo de progressão continuada de aprovação automática. Não que eu não entenda o que significa. Essa política não pode ser isolada da melhoria nas condições de trabalho do professor. Caso contrário, vira mesmo aprovação automática. Eu não sou favorável a manter altos índices de repetência, mas do jeito que a secretaria está fazendo, os alunos estão passando sem aprender. Folha - O que a Apeoesp fará caso as escolas, com apoio das associações de pais, contratem professores efetivos para substituir os que estão em greve?

Maria Izabel - Eu não acredito que as Associações de Pais e Mestres topem fazer isso. Elas têm uma outra posição, de ajudar na postura da escola. De qualquer forma, quando a secretária sugere isso, só comprova que é possível aumentar o salário dos professores. Não acredito que as escolas tenham, sozinhas, verbas para isso. Se essa política for uma política deliberada do Estado, eles estarão tapando buraco. Isso só vai contribuir para que a educação não seja levada a sério.

Folha - A greve não prejudica somente o aluno?

Maria Izabel - O aluno já está sendo prejudicado. Se não sente agora, vai sentir mais tarde, quando perceber que não recebeu uma educação de qualidade. Eu vejo com muita tristeza isso, mas acho que aderir a esse movimento é ajudar para que essa situação seja invertida. Hoje, a gente discute muito o que está acontecendo na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). O problema é que, quando não se investe na educação básica, é esse o caminho que se aponta para algumas crianças. Se a educação fosse prioritária, não precisaríamos gastar com a Febem.

Folha - A próxima assembléia da Apeoesp será na avenida Paulista, na quarta-feira. Vocês não temem um novo conflito com a PM, como ocorreu no último dia 18, quando 38 pessoas ficaram feridas?

Maria Izabel - A assembléia na Paulista vai nos dar um pouco mais de trabalho, mas acredito que será possível manter a calma. Nas duas primeiras assembléias que aconteceram lá, a polícia até ajudou a organizar a passeata, protegendo os manifestantes. Vamos tomar cuidados extras para evitar o conflito. Não nos interessa aparecer nos jornais por causa do quebra-quebra.