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11/02/2005
-
09h30
LEILA SUWWAN
da Folha de S.Paulo, em Brasília
O governo federal definiu que o grupo que discutirá a descriminalização do aborto não colocará em questão a moralidade da prática, e sim seu efeito na saúde pública. Com isso, os setores envolvidos com o assunto pretendem minimizar a pressão de grupos religiosos, notadamente a Igreja Católica, contra a legalização do aborto.
Essa é a postura vigente hoje no governo. O grupo de trabalho deverá ser anunciado no começo de março. Ainda neste mês, será definido quem participará do grupo por parte do Legislativo e da sociedade civil. Os critérios de escolha não foram fechados.
Outra indefinição é sobre quem terá cadeira e quem será apenas ouvido ou consultado. Há forte pressão de grupos feministas para que entidades religiosas declaradamente contra o aborto não emperrem o debate.
A Igreja Católica, por sua vez, já avisou que vai ressaltar o argumento de que o direito a ser respeitado também é o do feto, e não só o da mãe.
Do lado do governo, a postura pró-legalização, ligada ao ideal feminino de defesa do direito reprodutivo, é endossada pelos órgãos que irão liderar o grupo de discussão: Ministério da Saúde e secretarias de Políticas para Mulheres, Direitos Humanos e Promoção da Igualdade Racial.
O Código Penal prevê penas de detenção de um a três anos para a mulher que pratique o aborto. Também é punido quem provoca o aborto na mulher. As únicas exceções são quando há risco de morte para a gestante ou em caso de gravidez resultante de estupro.
Projeções baseadas nos atendimentos pelo SUS para curetagem pós-aborto sugerem que cerca de 1 milhão de abortos clandestinos são realizados no país todo ano.
Raramente a mulher é denunciada ou punida, mas a proibição faz com que o aborto seja feito em condições precárias, com riscos à saúde, com incentivo ao mercado negro de medicações e com desigualdades econômicas.
A ministra Nilcéa Freire (Políticas para as Mulheres) é partidária da defesa dos direitos reprodutivos da mulher. Para ela, quando há punição pelo ato, não há livre arbítrio da mulher. O ministro Nilmário Miranda (Direitos Humanos) já marcou posição: "Concordamos com a proposta de descriminalização".
A ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) assume posição pela descriminalização e diz que a questão é primordial na sua agenda: "A mulher negra é a mais excluída. Não tem acesso a atendimento nem direito de decidir sobre seu próprio corpo".
No Ministério da Saúde, a visão pró-direitos reprodutivos também é dominante. A defesa da decisão da mulher na procriação é levada a sério e até a fertilização in vitro deve ser incluída no SUS. "Não é só questão de saúde. É de direitos humanos", afirma Jorge Solla, secretário nacional de Atenção à Saúde.
Para esse setor do governo, a postura da Igreja Católica e outros grupos religiosos representa um dos principais entraves à revisão legislativa.
A posição da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), porém, encontra resistência religiosa interna. O grupo Católicas pelo Direito de Decidir lançou uma campanha pela legalização do aborto no Fórum Social Mundial que foi prestigiada pelas ministras Nilcéa e Matilde.
"Queremos "desorrorizar" o aborto, não apenas descriminalizar. Essa matéria não é dogma da igreja e a proibição desrespeita o preceito religioso de recurso à consciência", disse Alcilene Cavalcanti, uma das coordenadoras.
A descriminalização trataria apenas de projeto de lei pela retirada de dois artigos do Código Penal. Porém, a preocupação é com o papel do Estado caso o aborto se transforme em prática legal. A determinação de regras e procedimentos seria assunto técnico para uma segunda etapa.
A preocupação é enfatizar que o aborto não pode ser tratado como crime, sem que isso se transforme em apologia à prática. Outra preocupação é o possível impacto negativo nos programas de planejamento familiar e contracepção já em curso.
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Governo quer evitar debate moral sobre aborto
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da Folha de S.Paulo, em Brasília
O governo federal definiu que o grupo que discutirá a descriminalização do aborto não colocará em questão a moralidade da prática, e sim seu efeito na saúde pública. Com isso, os setores envolvidos com o assunto pretendem minimizar a pressão de grupos religiosos, notadamente a Igreja Católica, contra a legalização do aborto.
Essa é a postura vigente hoje no governo. O grupo de trabalho deverá ser anunciado no começo de março. Ainda neste mês, será definido quem participará do grupo por parte do Legislativo e da sociedade civil. Os critérios de escolha não foram fechados.
Outra indefinição é sobre quem terá cadeira e quem será apenas ouvido ou consultado. Há forte pressão de grupos feministas para que entidades religiosas declaradamente contra o aborto não emperrem o debate.
A Igreja Católica, por sua vez, já avisou que vai ressaltar o argumento de que o direito a ser respeitado também é o do feto, e não só o da mãe.
Do lado do governo, a postura pró-legalização, ligada ao ideal feminino de defesa do direito reprodutivo, é endossada pelos órgãos que irão liderar o grupo de discussão: Ministério da Saúde e secretarias de Políticas para Mulheres, Direitos Humanos e Promoção da Igualdade Racial.
O Código Penal prevê penas de detenção de um a três anos para a mulher que pratique o aborto. Também é punido quem provoca o aborto na mulher. As únicas exceções são quando há risco de morte para a gestante ou em caso de gravidez resultante de estupro.
Projeções baseadas nos atendimentos pelo SUS para curetagem pós-aborto sugerem que cerca de 1 milhão de abortos clandestinos são realizados no país todo ano.
Raramente a mulher é denunciada ou punida, mas a proibição faz com que o aborto seja feito em condições precárias, com riscos à saúde, com incentivo ao mercado negro de medicações e com desigualdades econômicas.
A ministra Nilcéa Freire (Políticas para as Mulheres) é partidária da defesa dos direitos reprodutivos da mulher. Para ela, quando há punição pelo ato, não há livre arbítrio da mulher. O ministro Nilmário Miranda (Direitos Humanos) já marcou posição: "Concordamos com a proposta de descriminalização".
A ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) assume posição pela descriminalização e diz que a questão é primordial na sua agenda: "A mulher negra é a mais excluída. Não tem acesso a atendimento nem direito de decidir sobre seu próprio corpo".
No Ministério da Saúde, a visão pró-direitos reprodutivos também é dominante. A defesa da decisão da mulher na procriação é levada a sério e até a fertilização in vitro deve ser incluída no SUS. "Não é só questão de saúde. É de direitos humanos", afirma Jorge Solla, secretário nacional de Atenção à Saúde.
Para esse setor do governo, a postura da Igreja Católica e outros grupos religiosos representa um dos principais entraves à revisão legislativa.
A posição da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), porém, encontra resistência religiosa interna. O grupo Católicas pelo Direito de Decidir lançou uma campanha pela legalização do aborto no Fórum Social Mundial que foi prestigiada pelas ministras Nilcéa e Matilde.
"Queremos "desorrorizar" o aborto, não apenas descriminalizar. Essa matéria não é dogma da igreja e a proibição desrespeita o preceito religioso de recurso à consciência", disse Alcilene Cavalcanti, uma das coordenadoras.
A descriminalização trataria apenas de projeto de lei pela retirada de dois artigos do Código Penal. Porém, a preocupação é com o papel do Estado caso o aborto se transforme em prática legal. A determinação de regras e procedimentos seria assunto técnico para uma segunda etapa.
A preocupação é enfatizar que o aborto não pode ser tratado como crime, sem que isso se transforme em apologia à prática. Outra preocupação é o possível impacto negativo nos programas de planejamento familiar e contracepção já em curso.
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