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08/01/2006 - 10h43

Cegueira misteriosa aflige o Araguaia

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FABIANE LEITE
Enviada especial da Folha a Araguatins (TO) e Brejo Grande do Araguaia (PA)

Brincar, pescar, lavar a canoa, banhar. As águas do rio Araguaia eram diversão e refresco no cotidiano de miséria de Hildebrando e Igor, meninos de Araguatins, uma cidade de 27 mil habitantes a 621 km de Palmas (TO).

A graça acabou quando os dois e outras centenas de crianças das margens começaram a ter problemas na "vista", como afirmam, vítimas de uma doença ainda misteriosa que causa lesões nos olhos, como manchas e caroços, e pode levar à cegueira. Hildebrando, 10, já perdeu a visão do olho direito. Igor, 7, pouco vê com o esquerdo.

As autoridades associam o problema ao contato com as águas do rio, e o banho foi proibido, mas ainda quebram a cabeça para descobrir a causa do problema.

A Secretaria da Saúde do Tocantins informou que, em uma busca entre crianças em idade escolar, foram identificadas 301 com a doença, sendo 12 delas com perda parcial da visão e três com cegueira em um dos olhos.

A cidade, de população muito jovem, tem 8.299 residentes de cinco a 19 anos. A pesquisa ainda não foi feita entre adultos, mas especula-se que as crianças sejam as mais atingidas porque não temem abrir os olhos sob as águas.

Prefeitura, Estado e o Ministério da Saúde começaram a tomar providências no fim do ano passado, em um processo em que houve desentendimentos.

Um caramujo de água doce, que abrigaria um parasita, chegou a ser anunciado como o propagador da doença, mas, depois de nada ser achado no molusco, o Estado voltou atrás. Um parasita transmitido por gatos e cachorros e um fungo também são suspeitos. Amanhã, uma equipe chega à cidade após três semanas de paralisação das buscas.

Enquanto isso, ribeirinhos e médicos relatam que o problema vem de até 15 anos atrás e chega ao Pará, por onde corre o rio.

Já o menino Hildebrando Silva Reis aguarda tratamento. Deixou de freqüentar a escola, conta a mãe. "Matriculei, mas a professora mandou ele embora", diz Irani Feitosa, 24. "Eu brinco de pega-pega", afirma Hildebrando. A doença já atinge o olho esquerdo.

Igor Vinícius Arcanjos dos Anjos é outro que aguarda tratamento. Sua avó, que vive à beira do Araguaia, aplicou resina de jatobá, um remédio dado pela prefeitura, e "muita reza". "Ele teve de desistir da escola. Fica mais em casa", afirma a mãe de Igor, Irenice Arcanjo dos Anjos, 28.

Outras duas crianças que já não enxergavam foram enviadas a Belo Horizonte (MG) para tratamento. Uma teve o olho retirado.

Araguatins, apesar do grande número de casos, ainda está sem oftalmologista --o serviço de referência fica a 40 km, em Augustinópolis. A doença desconhecida é a mais nova preocupação na cidade, área endêmica de malária, dengue, leishmaniose, tracoma e febre amarela. Além disso, não há rede de tratamento de esgoto em funcionamento --a tubulação existe, mas não opera. E o analfabetismo bate em 18% da população, que sobrevive principalmente dos rebanhos de gado.

A única medida preventiva contra a doença, a interdição do rio, é precária, pois a cidade vive das águas, para pescar e lavar roupa.

"Eu não tenho água, aí lavo no rio", diz Alzirene de Melo, cujas filhas, Rosilene, 8, e Luzia, 10, foram atingidas pela doença, mas com lesões pequenas que, segundo a mãe, não prejudicam a visão. Já o cachorrinho da família, Sheik, que vivia no rio com as meninas, está cego. Perto da casa, é fácil achar os caramujos suspeitos de levarem a doença.

O pescador Sandro Roberto de Souza, 28, levou o filho de cinco anos para lavar a canoa. O menino pôs a mão no olho, que amanheceu inflamado e vermelho. O sobrinho de Souza, Wellington Júnior Ribeiro dos Santos, 8, também está doente. "Ele diz que enxerga pouquinho", diz o tio.

Especial
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