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17/05/2006 - 08h33

Moradores acusam PM de matar inocente

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LAURA CAPRIGLIONE
TOMÁS CHIAVERINI
da Folha de S.Paulo

A sala da casa de um morador do Jardim Filhos da Terra, na zona norte da cidade, é aberta para a reportagem com solenidade. Tem o cheiro acre de um açougue. De um saco jogado no chão, quatro amigos tiram um casaco vermelho e branco e uma camiseta vermelha ainda encharcados de sangue.

Mostram três buracos no capuz e três nas costas. Lá fora, outros 55 moradores do bairro esperam para contar como morreu Ricardo Flauzino, 22. "Foi a polícia. Eles mataram um menino de ouro. Mataram um garoto amado por todos aqui", disse uma doméstica de 67 anos que fez questão de deixar de lado o jantar que preparava para contar o que viu.

"Depois de matar Ricardo, os policiais entraram aqui atirando que nem loucos. Olha os buracos de bala aqui", diz, apontando para perfurações recentes nas paredes dos predinhos do codomínio. "Foi terror. Tinha uns dez meninos na rua, que podiam ter morrido também."

Uma vizinha afirma ter recolhido cápsulas deflagradas de pistolas .40 e 9 mm, que foram depois entregues à polícia.

Revoltados com o assassinato de Ricardo Flauzino e com a invasão violenta da polícia no bairro, cerca de 300 moradores do Jardim Filhos da Terra reuniram-se para protestar.

Às 15h, começou, meio espontaneamente: uns garotos incendiaram pneus e um sofá. Outros juntaram-se a eles. O grupo então se dirigiu a uma praça, ponto final do ônibus Jardim Filhos da Terra. Os jovens pediram aos passageiros que descessem do veículo: "Isso é um protesto. Saiam do busão." Em seguida, atearam fogo.

Segundo o motorista Leomir Luiz de Andrade, 42, um grupo de aproximadamente 50 jovens cercou o ônibus da Viação Sambaíba e começou a apedrejá-lo." Fomos pegos de surpresa, de repente era pedra para todo lado. Depois os vândalos entraram no carro e quando viram que não tinha mais ninguém no carro jogaram álcool e fogo em tudo" conta Andrade. A PM e o corpo de bombeiros foram acionados mas ninguém foi preso.

Segundo a polícia em nenhum dos ataques houve feridos, e não há indícios de que eles tenham relação com o PCC.

Moradores da região que não quiseram se identificar disseram ao Agora que os atos de vandalismo ocorreram em protesto contra o assassinato de um jovem de 22 anos em uma rua do bairro. Ele teria sido executado por homens encapuzados na noite de anteontem. Os policiais de plantão na noite de ontem disseram não ter acesso ao registro de ocorrências do horário do suposto crime.

A polícia interveio. Conseguiu dissolver a manifestação e apagar o incêndio. Restou o esqueleto fumegante do ônibus. Enquanto isso, os jovens recolheram-se ao conjunto de prédios do Jardim Filhos da Terra.

Para chamar a atenção dos helicópteros da imprensa, escreveram no asfalto, em letras de mais de metro de altura: "Assassinos de farda. Reportagem Já." Três garotos acabaram detidos pela polícia, mas foram logo depois liberados.

A turma dos revoltosos já estava revoltada o suficiente, mas a temperatura elevou-se quando, assistindo à TV, viu seu protesto ser apresentado por uma emissora como tendo sido causado por "partidários do PCC". "Nós não somos criminosos. Também não temos nada a ver com a facção. Não tem nada a ver. Tudo o que a gente quer é denunciar essa tragédia que a polícia causou."

Casamento

Segundo amigos e parentes, Ricardo Flauzino gostava de jogar bola com os amigos do bairro construído em regime de mutirão durante o governo da ex-prefeita Luiza Erundina. Parou de freqüentar as peladas quando arrumou emprego de motorista em uma fábrica de bolsas. O objetivo era juntar um dinheirinho para casar com sua grande paixão, uma moça que também mora no Filhos da Terra. A união estava marcada para acontecer no dia 8 de julho. Ontem, ele assinaria o contrato da casa em que pretendia iniciar a nova família.

A história de Flauzino acabou anteontem às 22h30, quando foi, como sempre, esperar pela noiva no alto da escadaria que sobe da avenida Antonello da Messina para o conjunto de apartamentos do Filho da Terra. A moça desembarcaria do ônibus e, protegida pelo noivo, seria levada até sua casa.

Sentado, Flauzino esperava, quando, de repente, de um veículo da Força Tática da PM, desceram pelo menos seis homens. Estavam encapuzados, a farda oculta por blusões negros.

Foram esses homens, que ocupavam o veículo da Força Tática com números "M-3074", segundo descreveram os vizinhos, que teriam baleado Flauzino, rapaz que nunca andou armado, não bebia e não se envolvia nas "correrias dos bandidos do bairro", na definição de um morador.

Com Ricardo já ferido e jogado de bruços no mato, os policiais se afastaram. Até que o morador de um dos predinhos do Filhos da Terra deu o alarme: "Tem um cara caído no escadão", gritou.

Um jovem aproximou-se para ver quem era, virou o corpo e identificou: "É o Ricardo."

Nesse momento, os encapuzados se reaproximaram e intimaram o recém-chegado: "Que é que você aprontou?"

Como outros rapazes conhecessem Ricardo e o jovem que o identificara, os policiais, segundo os depoimentos dos moradores, se descontrolaram e começaram a correr, atirando, para dentro do conjunto de predinhos.

Uma vizinha disse que estava na janela olhando a filha que voltava a pé do trabalho, quando policiais usando máscaras tomaram as ruas do bairro. Ela conta que gritou primeiro para os os homens armados se afastarem e, depois, para que sua filha se abaixasse.

"Ela conseguiu se esconder ali, embaixo daquela escada e, depois, correu para casa", lembra a moradora.

Moradores do bairro dizem ter visto quando os homens armados que entraram no conjunto desfizeram-se das máscaras e dos blusões negros. "Eles estavam meio escondidos atrás daquele prédio ali." Em seguida, os policiais teriam se reapresentado à vizinhança, agora oferecendo ajuda para levar o jovem ferido ao hospital.

A mãe de Ricardo Flauzino diz que, apenas nesse momento, viu o filho. "Não vi quem atirou, não sei de nada", disse ela. "A única coisa que posso dizer é pedi para ir junto com o Ricardo para o hospital São Luiz Gonzaga, no Jaçanã, mas os policiais não deixaram."

Os vizinhos assistiram à remoção do jovem. "Eles o arrastaram como um bicho e o jogaram na viatura."

Às 2h de manhã de ontem, o irmão da noiva de Ricardo aproximou-se da mãe dele, na porta do hospital. "Ele chegou em mim e falou que meu filho não estava mais... Que tinha falecido."

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