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16/07/2006
-
09h26
CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
O governador de São Paulo, Cláudio Lembo (PFL), afirmou ontem que a segunda onda de violência desencadeada pelo PCC "arrefeceu", mas não descartou a ocorrência de novos ataques no futuro próximo.
Na visão de Lembo, São Paulo está repetindo "uma guerra de Canudos". "Eles [o PCC] atacam e recuam, utilizando de ondas humanas extremamente frágeis economicamente."
Ele acredita que outros Estados deverão sofrer episódios semelhantes. "Tenho muito temor que isso se torne um hábito dos sem-lei. A batalha deles hoje é utilizar dos desprovidos economicamente para agredir o Estado nacional de Direito."
Desde terça, na segunda onda de ataques, o PCC matou pelo menos oito pessoas e promoveu pelo menos 421 atentados, entre incêndios de ônibus, ataques a bases e casas de policiais e até mesmo caminhões de lixo.
A primeira onda ocorreu em maio, sendo que 46 mortes foram atribuídas ao PCC. A seguir, trechos da entrevista que Lembo concedeu ontem à Folha, no seu gabinete, no Palácio dos Bandeirantes.
Folha - A onda de violência arrefeceu?
Cláudio Lembo - Arrefeceu, mas, tenho dito, nós podemos, sim, sofrer novos surtos.
Folha - O que o leva crer nisso?
Lembo - A tática da guerrilha, a forma como estão agindo. Atacam e recuam, utilizando de ondas humanas extremamente frágeis economicamente.
Folha - Outros Estados podem também ser atingidos?
Lembo - Infelizmente. Ainda hoje [ontem] vi uma pequena notícia nos jornais de que Belo Horizonte [MG] sofreu três atentados. Creio e tenho muito temor de que isso se torne um hábito dos sem-lei, que passem a agredir todos os segmentos da sociedade. A batalha deles hoje é utilizar dos desprovidos economicamente para agredir o Estado nacional de Direito.
Folha - Percebe-se que houve uma mudança de tática do PCC, que passou a priorizar ataques a ônibus, bancos e até caminhão de lixo.
Lembo - É um ataque contra o Estado de Direito. Não é algo novo na América Latina. Tenho conversado com especialistas internacionais. Tivemos algo muito parecido, que ainda permanece, na Colômbia, no Peru. Há uma série de elementos. Um é a miséria endêmica. Há uma formação social muito deformada na América Latina. Isso tudo é um caldo cultural dramático. Toda a América Latina se encontra num risco muito grande. Os governos precisam pensar em integração social. A elite ou é muito americanófila, ou está, como sempre, com as costas voltadas para o Brasil e olhando a Europa. Nunca nos debruçamos sobre o Brasil. O que está acontecendo é uma repetição da Guerra de Canudos em plena cidade de São Paulo.
Folha - E até onde vai isso?
Lembo - Até onde for a consciência daqueles que podem pensar melhor. Não sei onde vai. O episódio social se repete sempre em molduras diferentes. E agora, lamentavelmente, na moldura urbana onde a agressão é maior, as situações são mais complexas.
Folha - Na sua opinião, qual a participação do Judiciário nessa crise?
Lembo - O Judiciário está numa situação muito difícil. É um Judiciário criado por um Brasil onde os conflitos eram só de natureza patrimonial e, portanto, só essa relação conflituosa entre a classe média e as camadas economicamente mais fortes. E hoje a conflitualidade é entre o Estado e o crime. As leis processuais brasileiras nunca darão a possibilidade de o Judiciário ser capaz de resolver situações correntes. O Judiciário hoje é refém de suas próprias leis. Não terá condições de superar com altruísmo a legislação brasileira atual, que foi elaborada por quem olha o exterior e não o interior. Você tem cola das leis austríaca, alemã, italiana. Isso vai gerar um colapso. Não é culpa das pessoas, e sim da própria estrutura do poder. Ou das leis concedidas ao poder para fazer justiça.
Folha - O que poderia ser feito a curto prazo?
Lembo - Creio que poderia ser possível, eventualmente, pequenos mutirões a partir das áreas mais complexas da execução penal. Talvez pudesse dar uma solução paliativa.
Folha - Houve algum acordo para esse arrefecimento da violência?
Lembo - Não houve acordo naquela ocasião, em maio, e nem agora. Nem contato houve. Nem os advogados deles [do PCC] nos procuraram. Muitos deles estão tão marcados pela criminalidade que nem nos procuraram. Se tivesse procurado, eu teria autorizado o comando da PM a levá-los.
Folha - Essa verba de R$ 100 milhões liberada pelo governo federal para São Paulo [interrompe]
Lembo - Não é nada, não é nada. Acho que é um símbolo, um gesto positivo, de solidariedade, e eu sou grato ao governo federal por isso. Mas são R$ 50 milhões para os presídios, e nós vamos gastar R$ 70 milhões na restauração. É a mesma coisa em relação aos R$ 50 milhões para o serviço de inteligência. Só um aparelho de escuta custa US$ 30 mil.
Folha - Até que ponto as eleições atrapalham a relação entre as cúpulas dos governos estadual e federal?
Lembo - Atrapalhando não está. Eu e os meus companheiros aqui de São Paulo, o secretário da Segurança Pública, o comando da PM, somos todos vacinados para essas situações. Não temos usado eleitoralmente esse episódio. Outros, em campanha, usam.
Folha - O sr. continua sem conseguir medir o tamanho do PCC?
Lembo - Filha, acho que o núcleo duro dessa organização é pequeno. Me falam em 1.000, 5.000. Claro que se pode dizer que cem homens são os titulares. O mal é que essa organização está utilizando as ondas de empobrecidos e miseráveis nos atos de violência. São jovens que fazem até como auto-afirmação individual e são utilizados também pelo tráfico.
Folha - Só opressão resolve?
Lembo - Opressão resolve o surto, eventualmente. Mas, se não tiver um grande projeto social para as grandes cidades brasileiras, vamos ter situações graves em todo o país. A situação de pobreza é dramática.
Folha - O seu governo tem um grande projeto social para o Estado?
Lembo - Eu diria que tem uma série de projetos sociais, como o CDHU, a construção de casas, mas é pouco. O problema é seriíssimo. É o desemprego, a desagregação de núcleos familiares. São levas de pessoas que chegaram da zona rural só com a roupa do corpo. Minha avó dizia, há 60 anos, que três pessoas são perigosas no mundo: o papa, o rei e quem não tem nada. Hoje, o perigo está em quem não tem nada. O papa e o rei não causa mais medo.
Folha - Como o sr. avalia a informação de que o chileno Norambuena deu aulas de guerrilha ao PCC?
Lembo - Nós brasileiros temos uma visão idílica do mundo. Basta ser estrangeiro para ser bom. Lembro que, naquela época [da prisão de Norambuena e seus companheiros], figuras políticas e religiosas pediam todo apoio a essas pessoas. E agora eles criaram um monstro que nós temos que digerir e resolver. Vejam como é perigoso transformar bandido em herói.
Folha - Como tem sido sua rotina?
Lembo - Normal. Em maio, passei as noites acordado, mas agora, não. Antes, fomos tomados de surpresa, porque a violência foi muito maior do que era possível esperar. Agora estamos reaparelhados mentalmente para esse combate.
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Na visão de Lembo, São Paulo está repetindo "uma guerra de Canudos". "Eles [o PCC] atacam e recuam, utilizando de ondas humanas extremamente frágeis economicamente."
Ele acredita que outros Estados deverão sofrer episódios semelhantes. "Tenho muito temor que isso se torne um hábito dos sem-lei. A batalha deles hoje é utilizar dos desprovidos economicamente para agredir o Estado nacional de Direito."
Desde terça, na segunda onda de ataques, o PCC matou pelo menos oito pessoas e promoveu pelo menos 421 atentados, entre incêndios de ônibus, ataques a bases e casas de policiais e até mesmo caminhões de lixo.
A primeira onda ocorreu em maio, sendo que 46 mortes foram atribuídas ao PCC. A seguir, trechos da entrevista que Lembo concedeu ontem à Folha, no seu gabinete, no Palácio dos Bandeirantes.
Folha - A onda de violência arrefeceu?
Cláudio Lembo - Arrefeceu, mas, tenho dito, nós podemos, sim, sofrer novos surtos.
Folha - O que o leva crer nisso?
Lembo - A tática da guerrilha, a forma como estão agindo. Atacam e recuam, utilizando de ondas humanas extremamente frágeis economicamente.
Folha - Outros Estados podem também ser atingidos?
Lembo - Infelizmente. Ainda hoje [ontem] vi uma pequena notícia nos jornais de que Belo Horizonte [MG] sofreu três atentados. Creio e tenho muito temor de que isso se torne um hábito dos sem-lei, que passem a agredir todos os segmentos da sociedade. A batalha deles hoje é utilizar dos desprovidos economicamente para agredir o Estado nacional de Direito.
Folha - Percebe-se que houve uma mudança de tática do PCC, que passou a priorizar ataques a ônibus, bancos e até caminhão de lixo.
Lembo - É um ataque contra o Estado de Direito. Não é algo novo na América Latina. Tenho conversado com especialistas internacionais. Tivemos algo muito parecido, que ainda permanece, na Colômbia, no Peru. Há uma série de elementos. Um é a miséria endêmica. Há uma formação social muito deformada na América Latina. Isso tudo é um caldo cultural dramático. Toda a América Latina se encontra num risco muito grande. Os governos precisam pensar em integração social. A elite ou é muito americanófila, ou está, como sempre, com as costas voltadas para o Brasil e olhando a Europa. Nunca nos debruçamos sobre o Brasil. O que está acontecendo é uma repetição da Guerra de Canudos em plena cidade de São Paulo.
Folha - E até onde vai isso?
Lembo - Até onde for a consciência daqueles que podem pensar melhor. Não sei onde vai. O episódio social se repete sempre em molduras diferentes. E agora, lamentavelmente, na moldura urbana onde a agressão é maior, as situações são mais complexas.
Folha - Na sua opinião, qual a participação do Judiciário nessa crise?
Lembo - O Judiciário está numa situação muito difícil. É um Judiciário criado por um Brasil onde os conflitos eram só de natureza patrimonial e, portanto, só essa relação conflituosa entre a classe média e as camadas economicamente mais fortes. E hoje a conflitualidade é entre o Estado e o crime. As leis processuais brasileiras nunca darão a possibilidade de o Judiciário ser capaz de resolver situações correntes. O Judiciário hoje é refém de suas próprias leis. Não terá condições de superar com altruísmo a legislação brasileira atual, que foi elaborada por quem olha o exterior e não o interior. Você tem cola das leis austríaca, alemã, italiana. Isso vai gerar um colapso. Não é culpa das pessoas, e sim da própria estrutura do poder. Ou das leis concedidas ao poder para fazer justiça.
Folha - O que poderia ser feito a curto prazo?
Lembo - Creio que poderia ser possível, eventualmente, pequenos mutirões a partir das áreas mais complexas da execução penal. Talvez pudesse dar uma solução paliativa.
Folha - Houve algum acordo para esse arrefecimento da violência?
Lembo - Não houve acordo naquela ocasião, em maio, e nem agora. Nem contato houve. Nem os advogados deles [do PCC] nos procuraram. Muitos deles estão tão marcados pela criminalidade que nem nos procuraram. Se tivesse procurado, eu teria autorizado o comando da PM a levá-los.
Folha - Essa verba de R$ 100 milhões liberada pelo governo federal para São Paulo [interrompe]
Lembo - Não é nada, não é nada. Acho que é um símbolo, um gesto positivo, de solidariedade, e eu sou grato ao governo federal por isso. Mas são R$ 50 milhões para os presídios, e nós vamos gastar R$ 70 milhões na restauração. É a mesma coisa em relação aos R$ 50 milhões para o serviço de inteligência. Só um aparelho de escuta custa US$ 30 mil.
Folha - Até que ponto as eleições atrapalham a relação entre as cúpulas dos governos estadual e federal?
Lembo - Atrapalhando não está. Eu e os meus companheiros aqui de São Paulo, o secretário da Segurança Pública, o comando da PM, somos todos vacinados para essas situações. Não temos usado eleitoralmente esse episódio. Outros, em campanha, usam.
Folha - O sr. continua sem conseguir medir o tamanho do PCC?
Lembo - Filha, acho que o núcleo duro dessa organização é pequeno. Me falam em 1.000, 5.000. Claro que se pode dizer que cem homens são os titulares. O mal é que essa organização está utilizando as ondas de empobrecidos e miseráveis nos atos de violência. São jovens que fazem até como auto-afirmação individual e são utilizados também pelo tráfico.
Folha - Só opressão resolve?
Lembo - Opressão resolve o surto, eventualmente. Mas, se não tiver um grande projeto social para as grandes cidades brasileiras, vamos ter situações graves em todo o país. A situação de pobreza é dramática.
Folha - O seu governo tem um grande projeto social para o Estado?
Lembo - Eu diria que tem uma série de projetos sociais, como o CDHU, a construção de casas, mas é pouco. O problema é seriíssimo. É o desemprego, a desagregação de núcleos familiares. São levas de pessoas que chegaram da zona rural só com a roupa do corpo. Minha avó dizia, há 60 anos, que três pessoas são perigosas no mundo: o papa, o rei e quem não tem nada. Hoje, o perigo está em quem não tem nada. O papa e o rei não causa mais medo.
Folha - Como o sr. avalia a informação de que o chileno Norambuena deu aulas de guerrilha ao PCC?
Lembo - Nós brasileiros temos uma visão idílica do mundo. Basta ser estrangeiro para ser bom. Lembro que, naquela época [da prisão de Norambuena e seus companheiros], figuras políticas e religiosas pediam todo apoio a essas pessoas. E agora eles criaram um monstro que nós temos que digerir e resolver. Vejam como é perigoso transformar bandido em herói.
Folha - Como tem sido sua rotina?
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