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21/01/2007 - 09h26

Bombeiros lembram feridas físicas e mentais do resgate na cratera

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LAURA CAPRIGLIONE
da Folha de S.Paulo

No dia seguinte ao resgate do corpo da sexta vítima do desabamento da estação do metrô em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, o primeiro-tenente Carlos Roberto Rodrigues, 35, contava as bolhas nos pés: 12, todas estouradas, que o faziam mancar dentro das botas do uniforme.

Foram 18 horas consecutivas em pé dentro de um túnel, água até os joelhos, atmosfera carregada dos gases de carbono expirados pelos motores das retroescavadeiras em ação, barulhos estridentes, calor de 38C e um odor forte, que tornava obrigatória a aplicação nas narinas de um gel de mentol, cânfora e óleo de eucalipto. "Senão parece que a mucosa nasal fica impregnada e a gente passa até um mês sentindo aquele cheiro", explica Rodrigues.

Chefe da cadeira de Salvamento Terrestre da Escola de Bombeiros, em Franco da Rocha (Grande SP), bem ao lado de uma unidade da Fundação Casa (ex-Febem), sob orientação do tenente e sua equipe formou-se a maioria dos soldados envolvidos no resgate dos corpos na tragédia do metrô.

Na cadeira de salvamento terrestre eles aprendem técnicas de desencarceramento de ferragens (usadas para retirar os corpos das vítimas dos destroços do microônibus), escoramento de emergência, ação em desabamentos e soterramentos, movimentação de força por meio de alavancas e roldanas, como usar os localizadores de vítimas (equipamentos alemães e israelenses que permitem auscultar o solo a dezenas de metros de profundidade, de modo a captar ruídos produzidos por vítimas soterradas).

Os bombeiros espalharam os localizadores na cratera da estação do metrô que desabou, ao mesmo tempo em que os cães farejadores eram soltos. Pela ausência completa de sinais já se soube que as chances de encontrar alguém com vida eram muito remotas.

Cansaço e sabão

O sargento Francisco Medeiros de Assis, 43, também trabalhou 18 horas consecutivas no resgate. Imundo e exausto, chegou à escola de bombeiros desesperado por um banho. Entrou no chuveiro, ensaboou-se e acabou a água. "Fui para casa dormir, ensaboado mesmo", lembra ele. Medeiros atuou no choque de trens em Itaquera (zona leste paulistana), em 1987, que deixou 59 mortos.

Na sexta-feira, o tenente Rodrigues e o sargento Medeiros já estavam de volta à escola para atividades didáticas. A aula era de adaptação a locais confinados, no subsolo inundado de um edifício de oito andares, tudo às escuras, manequim jogado em um canto (como ficaria uma vítima) e entulhos espalhados nos corredores.

"É para preparar o bombeiro para atuar em galerias, poços subterrâneos, locais muitas vezes sem iluminação nem oxigenação adequadas. O objetivo não é evitar que o soldado sinta medo, mas sim condicioná-lo a evitar o pânico que paralisa", diz Rodrigues.

Heróis

Os parentes das vítimas da tragédia da linha 4-amarela do metrô homenagearam os bombeiros com faixas, aplausos e abraços quando se concluiu o resgate dos seis corpos. Várias vezes, durante esses trabalhos, os soldados correram o risco de as paredes da cratera desabarem sobre si. "Bombeiros rejeitam o rótulo de heróis", afirma o tenente Rodrigues. "O melhor bombeiro não é o herói, que se acha melhor do que os outros; é o ser humano, que sabe sentir compaixão."

Uma parente de vítima diz que, durante a semana passada, o medo era de que os bombeiros desistissem de prosseguir com as buscas. "Eu sei que tem muita gente que questiona o fato de nós colocarmos as vidas de nossos soldados em risco, quando já não há esperança de salvar as vidas das próprias vítimas. Mas nossa cultura considera importante a cerimônia do adeus no enterro. Fazemos tudo para dar esse conforto às famílias. Nessa hora não tem brincadeira, ninguém ri, todos ficam sérios até o término do trabalho", afirma Medeiros.

O capitão Ernesto Rizzetto, 44, comandante da Companhia Escola de Bombeiros, que trabalhou em tragédias como a queda do avião da TAM em 1996 --que deixou 99 mortos, na região do Jabaquara--, ou a explosão do shopping de Osasco --Grande São Paulo--, com 42 vítimas fatais, no mesmo ano, conta que 10 mil soldados candidataram-se às 600 vagas que foram abertas no último processo seletivo.

Na memória

O curso para oficial bombeiro, com duração de um ano, tem disciplinas especializadas, como mecânica de solos e fluidos e resistência dos materiais, feitas junto à Faculdade de Tecnologia de São Paulo.

Chamados de "cata-gatos" (porque sempre que um gato sobe em uma árvore e não sabe como descer é a eles que se recorre), os soldados com especialização em salvamentos terrestres também são os que acodem nas tentativas de suicídio. O tenente Rodrigues atuou em 18 casos. "Em 17 a ação foi bem-sucedida. Em um a vítima pulou. Deste caso eu me lembro de cada detalhe."

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