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09/07/2001 - 03h24

Luís Nassif: A morte de um revolucionário

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LUÍS NASSIF
da Folha de S.Paulo

Com a morte do comandante Rolim Adolfo Amaro, o Brasil perde o mais importante empresário da atualidade, o homem que revolucionou a aviação regional brasileira, depois, a aviação nacional, que revolucionou a maneira das empresas tratar seus clientes, e que se preparava para o maior salto da sua carreira: uma fusão entre a sua TAM e a Varig que iria permitir ao Brasil possuir uma companhia aérea de dimensão internacional, do tamanho de uma Ibéria.

A última vez que o encontrei foi há duas semanas, em Paris, durante a Feira Aeroespacial. Rolim soube que eu estava por lá, passou no hotel para me pegar e me convidou para um coquetel na embaixada do Brasil, preparado em sua homenagem e da Embraer. Estava sedento de conversa, de narrar reminiscências, talvez devido aos 25 anos da TAM, que iria comemorar em seguida, talvez devido a um pressentimento qualquer.

Depois do coquetel, saímos para jantar em um restaurante com mesas na calçada. No jantar Rolim estava solto, rindo alto, chamando a atenção pela euforia. Durante a Feira vivera mais um grande momento, sendo capa da principal publicação devido ao anúncio de uma compra bilionária de aeronaves da Airbus e da Embraer.

Rolim estava acompanhado da esposa, da irmã e de seu principal homem na TAM, o vice-presidente Daniel Mandelli Martin. Rolim relembrou as dificuldades que teve com a Fokker para adquirir os primeiros aviões.
Depois, o ganho extraordinário com o aparelho, que lhe permitia uma economia operacional da ordem de 10% e um preço de passagem bastante superior ao da concorrência, graças à excelência do seu serviço.

A conversa evoluiu para episódios seus com grandes personagens da história. Rolim era um cultivador de amigos, um admirador permanente de empreendedores. Costumava almoçar periodicamente com João Saad, da TV Bandeirantes, com Amador Aguiar, do Bradesco, com o ex-presidente Jânio Quadros, com Olacir Moraes, do grupo Itamaraty. Combinamos, na volta ao Brasil, um encontro mensal, pelo menos, para que ele me passasse suas histórias. A idéia era escrever um livro de crônicas com o perfil de grandes personagens brasileiros com quem Rolim convivera. Eu lhe devia essa porque foi o estímulo de Rolim que me fez enveredar pelas crônicas de domingo, sem a preocupação de encontrar um "gancho" contemporâneo.

Com Jânio no ostracismo, certa vez Rolim recebeu o então presidente João Baptista Figueiredo em Congonhas. Na fila de cumprimentos sugeriu que Figueiredo fosse visitar Jânio, aquela altura, antes das últimas campanhas para governador e prefeito de São Paulo, morando em um pequeno apartamento. Visita de presidente para ex-presidente. Figueiredo respondeu com um palavrão, disse que não iria porque não gostava de Jânio. Rolim foi atrevido: "O senhor vai deixar o poder e também não vai ter ninguém que lhe dê atenção". Os presentes se espantaram com o atrevimento. Horas depois Figueiredo lhe telefonou pedindo que o acompanhasse na visita a Jânio. No encontro, Jânio elogiou a política de informática, recém aprovada por Figueiredo. Depois que o presidente saiu, Rolim estranhou: Jânio dizia que a política era perniciosa ao país. Mas Jânio explicou: "Foi um pequeno afago, porque qualquer coisa que eu falasse não ia adiantar nada mesmo".

Com seu João Saad, da Bandeirantes, recolhia histórias sobre a política nacional. Com Amador Aguiar, conselhos sobre a vida empresarial. Rolim morria de rir e de admiração de episódios que demonstravam os hábitos morigerados de Amador Aguiar. Esse respeito pela empresa, orgulho pelo trabalho e repulsa à ostentação marcavam o estilo Amador Aguiar e o estilo Rolim. Na TAM, contava ele, nenhum diretor tinha direito a viajar de primeira classe, nem mesmo ele. A única pessoa com direito era sua esposa, dona Noemy Amaro. Os demais só faziam "upgrade" para a primeira classe se houvesse vagas.

Contava isso e ironizava outras companhias que ofereciam passagens de primeira classe a autoridades de todos os níveis. O respeito pelo cliente era tão grande dizia ele que semanas atrás a TAM viveu um qüiproquó com o governador mineiro Itamar Franco, que queria porque queria uma passagem para a namorada para o Estados Unidos, atropelando a fila.

A conversa prosseguiu pontilhada de recordações, observações sobre o país e sobre os amigos. Rolim era um amigo dos mais solidários. No período em que Olacir Moraes passou por problemas difíceis em seu grupo, Rolim ia visitá-lo todo domingo, levando apoio e amizade. Incomodava-o a mudança de vida de Olacyr, os sanguessugas da noite que passaram a rodeá-lo. Mas a admiração pelo empreendedor era enorme. Contava com admiração a maneira como Olacir mudou o plantio de soja no centro-oeste, introduziu novas variedades de milho e se tornara o maior produtor de álcool do país.

Rolim jamais abjurou suas raízes caipiras. Era caipira sim, e comportava-se como tal inclusive no grande xadrez da aviação mundial, preservando o orgulho das raízes, a sagacidade, o senso de palavra dos caipiras.

Em sua estada em Paris teve um almoço com o presidente da Airbus, Richard Gaona. No almoço narrou as enormes pressões que sofreu da Boeing quando se decidiu pelas aeronaves do concorrente. Contou inclusive o telefonema de Jack Welch, o todo poderoso presidente da GE fornecedora da Boeing-, com ameaças explícitas a ele.

Rolim narrava o encontro e se regalava com a reação do presidente da Airbus. Lá pelas tantas, o caipira paulista piscou para mim e admitiu: "Exagerei um pouco para valorizar minha adesão à Airbus". Mas o presidente ficou tão impressionado que garantiu o apoio total da Airbus a um eventual processo de fusão com a Varig.

Do interior de São Paulo, Rolim tornara-se personagem relevante nas grandes disputas aeronáuticas mundiais. Para chegar aonde chegou, passou por uma sucessão de grandes desafios. Um deles, foi um câncer de garganta que o fez começar escrever suas memórias precocemente, achando que seu tempo tinha terminado. De volta do tratamento nos Estados Unidos, a perspectiva da morte parece que lhe deu um choque. Voltou com um sentido de urgência e uma competência empresarial inéditas. O crescimento da companhia se dava aos saltos, com todos os aspectos sob controle, do padrão de qualidade à solidez financeira.

O segundo baque foi na queda do Fokker 100, ao qual se seguiu a bomba que quase derrubou um segundo Fokker. Na época, foi incriminado um professor aposentado. Para Rolim foi um atentado com o objetivo de alijar definitivamente a companhia do mercado. Não atribuía à direção de empresas concorrentes, mas a grupos informais, radicais, dentro dessas companhias, incomodados com seu crescimento. Jamais desculpou o DAC (Departamento de Aviação Civil) por ter impedido as investigações. Na época, chegou a contratar a Kroll e, de um dos mais renomados técnicos, ouviu a explicação de que jamais a bomba poderia ter sido preparada pelo professor. Para ele, o DAC impediu as investigações porque era dele a responsabilidade pela segurança nos aeroportos, e qualquer conclusão colocaria em xeque seu trabalho.

Morreu de morte besta, mas seu trabalhoi frutificou, não apenas na TAM mas no modelo que foi para todas as empresas brasileiras, quando a abertura e a globalização passaram a exigir modernidade, respeito pelo cliente e fé no país. O lema da TAM era: "uma empresa genuinamente brasileira".

Leia mais sobre o acidente que matou o comandante Rolim
 

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