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13/05/2001 - 10h00

A Amazônia merece

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JOSÉ SARNEY FILHO
Especial para a Folha de S.Paulo

A coleção "Folha Explica" ganha mais um volume de peso para subsidiar o debate de temas da atualidade, aumentando assim a capacidade de crítica da sociedade brasileira para o enfrentamento dos principais desafios que nos apresenta o século 21. O título em questão, "A Floresta Amazônica", foi entregue às mãos de Marcelo Leite, que já havia brindado a coleção com o excelente "Os Alimentos Transgênicos".

Divulgação
Marcelo Leite traça situação dos ecossistemas da Amazônia
Marcelo Leite traça situação dos ecossistemas da Amazônia

Sob a batuta do autor, a editoria de Ciência da Folha tem-nos proporcionado informações e análises de alto nível, principalmente no que diz respeito aos temas de conteúdo ambiental, tais como mudanças climáticas, organismos geneticamente modificados, acesso aos recursos genéticos, gestão de recursos hídricos, entre tantos que compõem a seara das preocupações ecológicas atuais. Tal desempenho resulta, na verdade, do esforço que o autor tem consagrado ao aperfeiçoamento do jornalismo científico para o qual vem se dedicando nesses últimos anos.

A concepção de "A Floresta Amazônica" pela mente abrangente do jornalista talvez seja, de fato, a melhor expressão da multidisciplinaridade e da multisetorialidade que devem permear o trato das questões ambientais. A reunião dos pontos de vista científico, econômico, social e político para a construção do texto propicia ao leitor um entendimento bastante amplo dos fenômenos naturais e das ações antrópicas que trouxeram a Amazônia até os nossos dias.

Alguns ângulos de abordagem também distinguem a obra do que já foi, até agora, produzido sobre o assunto. Sempre consideramos a floresta como uma fonte de recursos, como fornecedora de matéria-prima. Porém o que mostram os últimos estudos e o que o autor "explica" muito bem é que ela também nos fornece serviços essenciais. Sua massa continental de vegetação funciona, por exemplo, como uma bomba de reciclagem de água que resfria e umedece o clima e que mantém, em equilíbrio, o regime hídrico de um quinto da água doce do planeta, além de fixar uma enorme quantidade de carbono que, se transformada, impulsionaria, sobremaneira, o mecanismo do efeito estufa e das mudanças climáticas. Esses são apenas alguns dos serviços prestados pela floresta aos seres humanos e a sua atividade produtiva, sem nem sequer tocarmos na questão da estocagem de biodiversidade.

A manutenção desses serviços precisa ser, de uma vez por todas, incluída na planilha de custos da grande empresa humana que faz uso direta ou indiretamente de seus benefícios. Esse é um dos entendimentos que fica muitíssimo claro para o leitor e cumpre papel de fundamental importância na formação da opinião da sociedade em prol da conservação da floresta. Esse tratamento está longe de se parecer, no entanto, com o mito construído a partir da equivocada função de "pulmão verde" atribuída à Amazônia na década de 70, cuja curiosa origem, aliás, é apresentada no livro, mostrando que, com o episódio, falou-se pela primeira vez, na esfera governamental, na necessidade de imprimir-se um valor real a um serviço prestado pela floresta.

Outro ângulo exaustivamente investigado pelo autor diz respeito à reflexão sobre um modelo de desenvolvimento que direcione atividades econômicas ambientalmente sustentáveis e economicamente viáveis e que promova a inclusão social e a melhoria dos índices de bem-estar da população lá residente.

Quanto a esse aspecto, Marcelo Leite não só apresenta suficiente material para a crítica ao modelo tradicional e insistente de desenvolvimento ainda promovido na região, como também demonstra e argumenta muito bem sobre a viabilidade de caminho alternativo. Elege, com consistência de dados e argumentos, a atividade madeireira sustentável, como setor da economia a ser prioritariamente estimulado. Não deixa de considerar o extrativismo de outros produtos florestais, o ecoturismo e a exploração dos recursos genéticos como atividades viáveis. Pondera, porém, que seus resultados não terão suficiente efeito para promover um impacto positivo sobre o emprego e a renda de toda a região, de forma a melhorar a condição social daquela gente, permitindo, ao mesmo tempo, a conservação dos recursos e serviços florestais. Essa é, realmente, a avaliação mais exata da realidade econômica do lugar, tanto que inspira a política que atualmente conduzo no Ministério do Meio Ambiente. A percepção da vocação florestal da Amazônia, na quase totalidade de seu território, levou-nos a escolher a atividade madeireira manejada como carro-chefe da promoção da sustentabilidade na região. Temos grande expectativa na mudança do perfil do setor madeireiro, com a substituição das tecnologias degradadoras pelas técnicas de manejo que conservam a integridade da floresta. Estamos reformulando procedimentos para agilizar a apreciação dos planos de manejo pelo Ibama e estimulando a certificação florestal. Também criamos o Programa Nacional de Florestas, oportunamente citado pelo autor, cuja meta é a implantação de 500 mil km2 de "florestas públicas de produção" que deverão desestimular, paulatinamente, a aquisição de terras pelos empresários, facilitando, para eles, o processo produtivo e, para nós, o controle sobre a atividade. Trazendo à tona a discussão sobre o modelo de desenvolvimento, o autor contribui, mais uma vez, para a conscientização da sociedade sobre as possibilidades amazônicas, por meio da difusão de inúmeras experiências bem-sucedidas do ponto de vista econômico, social e ambiental, promovidas geralmente por ONGs e em grande parte financiadas com os recursos do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, o PPG-7. Nesse ponto cabe um esclarecimento: o PPG-7, financiado pelos sete países mais ricos do mundo, está sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, o que caracteriza suas atividades como uma ação de governo, planejada e propositadamente direcionada para os fins que vêm atingindo. Essa observação, no entanto, em nada obsta minha concordância com o autor, quando este critica o desconhecimento dos "gabinetes de Brasília" sobre a realidade amazônica, desconhecimento visível nos planos arquitetados pela burocracia e distantes das demandas por conservação e inclusão social que caracterizam o desenvolvimento sustentável. Nesse aspecto, aliás, Marcelo Leite demonstra uma precisa compreensão sobre as forças que interagem no interior da administração pública, com influência direta sobre o crescimento da região.

Tenho deixado claro, em inúmeras oportunidades, que, apesar das ações promovidas pelo Ministério do Meio Ambiente na Amazônia, temos consciência de que não controlamos as decisões de outras áreas, cujas políticas exercem forte impacto sobre o bioma. Por essa razão temos buscado manter entendimentos e construir parcerias, com o intuito de contaminar todo o governo com preceitos conservacionistas, de forma a que políticas públicas, tais como incentivos fiscais e mecanismos de crédito, internalizem definitivamente a sustentabilidade como parâmetro na tomada de decisão. Desse nosso esforço resultou o acordo com o Ministério do Planejamento para que um estudo de impacto dos eixos de integração do Avança Brasil preceda, necessariamente, qualquer encaminhamento das metas ali estabelecidas. Faço essa ressalva devido à grande preocupação com a qual a obra trata os possíveis impactos dos eixos, detectados por estudos publicados nas revistas científicas "Nature" e "Science", que prevêem um aumento significativo do desmatamento, resultante das obras planejadas.

O que "A Floresta Amazônica", de Marcelo Leite, traz de mais importante, no entanto, é a desmistificação daquele ecossistema como uma entidade estática e passiva, feito um monumento que, por seus atributos estéticos, até hoje perpetuados, deva ser preservado. A floresta é extremamente ativa e dinâmica e seu atual estado de exuberância é, na verdade, bastante recente, quando avaliado pelo relógio geológico, conforme o autor mostra nas deliciosas passagens em que as teorias e os achados arqueológicos são analisados. Toda essa vitalidade da floresta é que define sua importância no equilíbrio do ciclo hídrico, de nutrientes e de biomassa, capaz de influenciar, regional e globalmente, o clima e a economia.

Ao fim do livro é como se a floresta nos revelasse todo o seu "metabolismo", deixando em nossas mãos uma decisão que, ao que parece, será definidora de seu destino e da qualidade do futuro de nossa civilização. Revela-se a Amazônia como uma entidade viva, em constante transformação, capaz, sim, de abrigar a intervenção humana, contanto que esta se dê a favor do fluxo de seus fenômenos ecológicos essenciais. Descortina, ao mesmo tempo, toda a sua sensibilidade, mostrando que sua vastidão não é nenhuma garantia da perenidade de seus predicados.

Apesar de trazer 87% de sua área ainda preservada, as alterações já realizadas estão sendo conduzidas de forma tão violenta e incômoda ao seu "metabolismo" que todo o grande organismo florestal já se mostra doente e capaz de influir negativamente nas condições hídricas, climáticas e, portanto, econômicas, local e globalmente, segundo mostram consistentes pesquisas em andamento na região.

Trazer esse entendimento aos leitores, chamá-los a revisar conceitos pré-estabelecidos, é o objetivo central do livro, que o autor deixa conhecer já na introdução. Ali também estabelece que, devido à extensão e pluralidade de aspectos envolvidos no tratamento do tema, fez a opção por concentrar seu foco de atenção nas interações mais imediatas do ecossistema com sua população humana e com o clima. Desnecessário dizer que tais objetivos são plenamente alcançados, ficando superadas quaisquer expectativas criadas no início da leitura.

Aconselho o conhecimento dessas páginas a todos os que se angustiam com o futuro do nosso imenso patrimônio florestal, que, afinal, estava por merecer o reconhecimento de seu enorme valor, por meio de argumentos contundentes, como os que essa obra encerra.

José Sarney Filho, 43, advogado e deputado federal licenciado (PFL-MA), é ministro do Meio Ambiente

"Folha Explica A Floresta Amazônica"
Autor: Marcelo Leite
Editora: Publifolha
Páginas: 104
Quanto: R$ 18,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha

 

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