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20/11/2001 - 20h52

Historiadores retomam escavações do Cemitério dos Pretos Novos (RJ)

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SABRINA PETRY
da Folha de S.Paulo, no Rio

Para comemorar o Dia de Zumbi dos Palmares, feriado carioca dedicado ao líder negro, arqueólogos e historiadores retomaram hoje as escavações do Cemitério dos Pretos Novos, na Gamboa (zona portuária do Rio), descoberto por acaso em 1996.

O cemitério está localizado na área antes conhecida como entreposto do Valongo, que hoje compreende os bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. No século 18, ali funcionava o maior mercado de escravos do país. Construído em 1770 e extinto em 1831, o cemitério foi feito para enterrar os africanos recém-chegados ao Brasil.

"Muitos escravos morriam logo depois de desembarcar. Eles faziam a travessia em compartimentos de 1,5 metro de altura, acorrentados, e não recebiam alimentação suficiente. Os que chegavam vivos estavam muito debilitados", explicou o historiador Antônio Carlos Athayde, coordenador do projeto "Africanos Novos da Gamboa", responsável pelas escavações.

As primeiras ossadas foram encontradas em janeiro de 1996, durante uma reforma na casa da empresária Ana Maria Mercedez Guimarães, 45. "Um dos pedreiros me ligou, desesperado, falando que tinha um monte de ossos no meu quintal", contou.

A Prefeitura do Rio foi até lá e, junto com uma equipe de arqueólogos, retirou 28 ossadas e cerca de 3 mil ossos. As escavações, entretanto, não puderam ser realizadas por falta de verbas.

Desde então, o quintal da casa de Ana Maria estava cercado, à espera de um projeto para explorá-lo.

Em setembro deste ano, uma parceria da prefeitura com o Instituto de Arqueologia do Brasil finalmente permitiu que as escavações recomeçassem.

De acordo com Athayde a pesquisa no cemitério deve durar dois anos e custará R$ 240 mil.

"Uma equipe de 20 a 25 pessoas vai trabalhar no local. Não temos idéia de quantas ossadas vamos encontrar. Depois de terminado o trabalho, pretendemos montar um museu dos escravos com todos os achados", explicou.

No Cemitério dos Pretos Novos, os escravos eram enterrados nus em covas rasas coletivas, amontoados, sem receber nenhum tipo de cerimônia fúnebre. Segundo o historiador Manolo Florentino, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), muitos, por estarem doentes e não terem mais condições de trabalhar, eram enterrados ainda vivos.

A igreja de Santa Rita, localizada na região do cemitério, tem registros de 5.000 enterros de escravos num período de apenas quatro anos. "Por aí, pode-se ter uma idéia de quantos foram enterrados lá", disse Athayde.

Segundo Florentino, a descoberta é extremamente importante por se tratar do mais antigo cemitério de escravos em área urbana descoberto até agora no Brasil. "Normalmente encontramos cemitérios em fazendas. Além disso, ele é importante porque, por se localizar num mercado, reunia escravos de diferentes regiões."

De acordo com a arqueóloga Lília Cheuiche, que analisou as ossadas retiradas do sítio arqueológico, a maioria era de homens, com idades entre 18 e 25 anos. "Mas também havia mulheres, adolescentes de 15 a 18 anos e até crianças de 3 anos."

Ela explicou que a hipótese mais provável é que os ossos já encontrados pertencessem a escravos originários das regiões onde hoje ficam Angola, Moçambique e Quênia. "Eles tinham dentes entalhados, o que era costume das tribos daquela área."

Muitos ossos estavam queimados, porque, segundo ela, após algum tempo os corpos eram incinerados por causa do mau cheiro, e também para dar espaço a mais escravos.

"É extremamente importante esse achado. As pesquisas e descobertas que podemos tirar de lá vão nos explicar muita coisa sobre o tráfico e os escravos que viveram no Brasil", disse Florentino.

Segundo ele, cerca de 3,6 milhões de escravos negros foram trazidos para o Brasil entre os séculos 16 e 19, boa parte passou pelo entreposto do Valongo e muitos deles provavelmente foram enterrados na região.
 

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