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26/05/2002 - 03h55

Até na hora do parto negra é discriminada

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SABRINA PETRY
da Folha de S. Paulo, no Rio

Hospitais e maternidades, públicos e particulares, da cidade do Rio de Janeiro tratam melhor as gestantes brancas do que as negras. O tipo de atendimento é diferenciado pela cor durante a gravidez e até na hora do parto.

Essa é a conclusão de uma pesquisa feita pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em parceria com a Prefeitura do Rio, com 10 mil mulheres, imediatamente após o parto, entre os meses de julho de 1999 e março de 2001.

Um dos dados do estudo que mais impressionaram os pesquisadores foi o de anestesia no parto normal. O estudo apontou que até nesse aspecto as mulheres negras sofreram preconceito: 11,1% delas não receberam anestésico, pouco mais do que o dobro do percentual das brancas que não foram anestesiadas (5,1%).

A diferença foi verificada até mesmo em hospitais públicos, e a desigualdade aconteceu também quando as entrevistadas, brancas e negras, pertenciam à mesma classe social e tinham o mesmo nível de escolaridade.

"Isso nos impressionou muito. Primeiro achamos que estávamos comparando pessoas de classes sociais e de níveis de escolaridade diferentes. Mas, quando percebemos que a diferença se mantinha, ficamos chocados", disse a pesquisadora Silvana Granado, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e uma das coordenadoras do levantamento.

O número de grávidas negras que não foram examinadas de maneira adequada durante o exame pré-natal também é maior, se comparado com as brancas.

Segundo a pesquisa, 95,9% das negras tiveram o batimento cardíaco fetal auscultado em todas as consultas, contra 97,6% das brancas. Silvana lembra que o procedimento tem de ser feito em todo o período que antecede o parto.

O mesmo acontece com relação à medição do tamanho do útero: 85,4% das gestantes brancas responderam "sempre" quando perguntadas sobre a frequência do procedimento, enquanto 81,9% das negras disseram que foram submetidas a esse procedimento.

As dúvidas das mães e as explicações médicas durante os exames também foram diferenciadas de acordo com a cor das mulheres. O estudo mostra que 73,1% das brancas foram informadas sobre os sinais do parto e 83,2% receberam informações sobre alimentação adequada durante a gravidez. Entre as negras, esses números foram inferiores: 62,5% e 73,4%, respectivamente.

A pesquisadora alerta para a possibilidade de os filhos das mulheres negras terem problemas de desenvolvimento, principalmente quando elas são adolescentes e de baixa escolaridade.

"Um médico pode estar prejudicando a criança quando deixa de falar sobre a importância do pré-natal, do aleitamento materno e dos cuidados com o recém-nascido", declarou Silvana.

A pesquisa mostrou que 26,6% gestantes negras não sabiam da importância do aleitamento materno nos primeiros seis meses de vida do bebê. Entre as brancas, o número era menor: 19,8%.

O bebê de Joice Athaíde, 18, negra, pode ser uma das crianças que sofrem com o mau atendimento dos médicos. Grávida de nove meses, ela contou que só fez dois exames de pré-natal.

"Foram dois médicos diferentes, e os dois disseram que eu não precisava me consultar todos os meses, bastava assistir a uma palestra que estava tendo no dia em que eu estava lá", afirmou Joice.

Depois de sofrer um sangramento, a mãe a fez procurar o Instituto Fernandes Figueira (zona sul do Rio), especializado em gravidez de risco. Durante de uma consulta, Joice foi informada sobre a má-formação de alguns órgãos do neném.

Segundo os pesquisadores, a falta de explicação sobre a necessidade do pré-natal mensal pode resultar na diminuição desse tipo de consulta entre as mães e, por consequência, afetar o bebê.

Conforme dados da pesquisa, 18,3% das negras não foram informadas da importância do exame e 5,1% delas não o fizeram. Entre as brancas, esses índices são de 14,8% e 2,5%, respectivamente.

A desigualdade pôde ser observada até quando as entrevistadas responderam sobre a permissão de um acompanhante antes e depois do parto. Segundo a pesquisa, 46,2% das brancas puderam ter ao lado o marido ou alguém da família, enquanto isso foi permitido a apenas 27% das negras.

Os responsáveis pela pesquisa não encontraram outra explicação para os dados coletados a não ser o preconceito. "Foi uma surpresa, não sabíamos que íamos encontrar essa diferença", disse Kátia Rato, coordenadora do setor materno-infantil da Secretaria Municipal de Saúde e uma das idealizadoras do levantamento.

Na sua opinião, a discriminação ainda não havia sido verificada cientificamente porque nem os médicos têm consciência de que estão agindo com preconceito.

Não existe nenhum projeto específico para combater a discriminação nas maternidades, mas Kátia disse acreditar que o Programa de Humanização do Parto e Nascimento do Ministério da Saúde, que visa reciclar médicos para dar melhor atendimento e mais informações às gestantes, pode ajudar a homogeneizar o tratamento e a acabar com as diferenças no cuidado das gestantes.

 

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