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28/09/2002
-
22h31
Especial para a Folha Online
Colchões queimados, fotos arrancadas de revistas eróticas, restos da última refeição. O cenário se completa com sonhos irrealizados e poemas escritos na parede do Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, onde morreram 111 presos em outubro de 1992.
A Folha Online esteve na penitenciária quatro dias após a retirada do último grupo de detentos, transferido para Franco da Rocha no último dia 15.
Em cima das camas vazias das celas, cartas recebidas e outras jamais enviadas foram abandonadas. Abertas, jogadas por todos os lados, todas trazem relatos de dor, desespero e amor pelos familiares distantes. Letras de música baseadas na vida atrás das grades ou na realidade de quem vive rodeado pelo crime.
Trecho 1
"Minha condição é sinistra, não posso dar rolé (sic). Não posso dar bobeira na pista. Na vida que eu levo eu não posso brincar, eu carrego uma 9 e uma HK", diz um dos papéis jogados no chão, citando a letra de "Soldado do Morro" do rapper MV Bill, que mora na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro.
Trecho 2
"Meu amor, espero que esta te encontre bem de saúde e em paz com Deus. Por aqui as coisas não estão fáceis". Assim começa uma das cartas jogadas ao chão. Na seqüência, a mulher do detento fala de uma mulher da família, que saiu de casa para ir ao médico e não voltou mais. "Da dó do João, que é muito pequeno ainda. A vó faz comida para ele..."
Comenta também, no vocabulário dos presos, sobre dinheiro. "Quando a gente levou a jumbada para você, não compramos cigarros, porque não tinha dinheiro." (na gíria da prisão, a jumbada se refere às entregas de comida e produtos de higiene que as famílias costumam levar para os presos). Depois, pede cuidado ao marido, que estava devendo dinheiro a outro preso. "Você está devendo aí. Vê se não se mete em encrenca."
Trecho 3
Ao desejar saúde e paz a um conhecido preso, uma mulher completa: "Sei que é difícil desejar isso para uma pessoa que se encontra desse lado". Também fala sobre o futuro e de planos para uma vida nova fora das grades. "Quero que termine seus estudos e consiga um trabalho legal, onde conheça pessoas legais também. Sei que pra você isso pode parecer um sonho, mas sei que quando a gente corre atrás dos nossos objetivos, uma hora a gente consegue."
Trecho 4
Alguns enviam conselhos sobre como agüentar a vida na prisão. "Sobre a sua cadeia, fica irmão. Logo mais você está na rua", escreve um tio em regime semi-aberto a um sobrinho ainda preso. Manda lembranças a outros companheiros da prisão e termina: "Para todos do sofrimento, mais uma vez fica com Deus".
Ex-detento
Durante a visita ao presídio, a reportagem encontrou J.S., 33, que ficou preso durante 17 anos, 5 deles no Pavilhão 9, condenado por assalto a mão armada. Testemunha do massacre de 1992, ele descreveu algumas das cenas que presenciou durante a rebelião. "Todo mundo que morava neste quarto morreu", disse, apontando o cômodo vizinho ao que ele mesmo ocupava, junto com mais sete presos. "São coisas que eu nunca vou esquecer".
Os nomes citados na reportagem foram trocados para preservar a privacidade dos envolvidos.
Veja galeria de fotos das cartas
Leia mais:
Especial Carandiru
Cartas de presos e familiares mostram dor dentro e fora do Carandiru
CAIO VILELAEspecial para a Folha Online
Colchões queimados, fotos arrancadas de revistas eróticas, restos da última refeição. O cenário se completa com sonhos irrealizados e poemas escritos na parede do Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, onde morreram 111 presos em outubro de 1992.
A Folha Online esteve na penitenciária quatro dias após a retirada do último grupo de detentos, transferido para Franco da Rocha no último dia 15.
Em cima das camas vazias das celas, cartas recebidas e outras jamais enviadas foram abandonadas. Abertas, jogadas por todos os lados, todas trazem relatos de dor, desespero e amor pelos familiares distantes. Letras de música baseadas na vida atrás das grades ou na realidade de quem vive rodeado pelo crime.
Trecho 1
"Minha condição é sinistra, não posso dar rolé (sic). Não posso dar bobeira na pista. Na vida que eu levo eu não posso brincar, eu carrego uma 9 e uma HK", diz um dos papéis jogados no chão, citando a letra de "Soldado do Morro" do rapper MV Bill, que mora na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro.
Trecho 2
"Meu amor, espero que esta te encontre bem de saúde e em paz com Deus. Por aqui as coisas não estão fáceis". Assim começa uma das cartas jogadas ao chão. Na seqüência, a mulher do detento fala de uma mulher da família, que saiu de casa para ir ao médico e não voltou mais. "Da dó do João, que é muito pequeno ainda. A vó faz comida para ele..."
Comenta também, no vocabulário dos presos, sobre dinheiro. "Quando a gente levou a jumbada para você, não compramos cigarros, porque não tinha dinheiro." (na gíria da prisão, a jumbada se refere às entregas de comida e produtos de higiene que as famílias costumam levar para os presos). Depois, pede cuidado ao marido, que estava devendo dinheiro a outro preso. "Você está devendo aí. Vê se não se mete em encrenca."
Trecho 3
Ao desejar saúde e paz a um conhecido preso, uma mulher completa: "Sei que é difícil desejar isso para uma pessoa que se encontra desse lado". Também fala sobre o futuro e de planos para uma vida nova fora das grades. "Quero que termine seus estudos e consiga um trabalho legal, onde conheça pessoas legais também. Sei que pra você isso pode parecer um sonho, mas sei que quando a gente corre atrás dos nossos objetivos, uma hora a gente consegue."
Trecho 4
Alguns enviam conselhos sobre como agüentar a vida na prisão. "Sobre a sua cadeia, fica irmão. Logo mais você está na rua", escreve um tio em regime semi-aberto a um sobrinho ainda preso. Manda lembranças a outros companheiros da prisão e termina: "Para todos do sofrimento, mais uma vez fica com Deus".
Ex-detento
Durante a visita ao presídio, a reportagem encontrou J.S., 33, que ficou preso durante 17 anos, 5 deles no Pavilhão 9, condenado por assalto a mão armada. Testemunha do massacre de 1992, ele descreveu algumas das cenas que presenciou durante a rebelião. "Todo mundo que morava neste quarto morreu", disse, apontando o cômodo vizinho ao que ele mesmo ocupava, junto com mais sete presos. "São coisas que eu nunca vou esquecer".
Os nomes citados na reportagem foram trocados para preservar a privacidade dos envolvidos.
Veja galeria de fotos das cartas
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