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03/11/2002 - 08h42

Campinas tem 47 mil abaixo da pobreza

ANA PAULA MARGARIDO
da Folha Campinas

Tiago Carlos Almeida, 11, já escreveu mais de cem cartas para programas populares de rádio e de TV a fim de realizar um sonho: mudar a vida de sua família. Filho mais velho da dona-de-casa Francisca Carlos Almeida, 32, o garoto franzino é mais um entre as 47 mil pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza em Campinas.
"Já escrevi mais de 30 cartas para a 'Rádio Central', umas 50 para o programa do Gugu e, acho que umas 50 para o Ratinho. Eu quero realizar meu sonho e dar alguma coisa para minha mãe, que não tem nada", revelou, chorando, o estudante da 5ª série em uma escola estadual.

As cartas de Tiago são parte da realidade de uma Campinas que ostenta uma renda per capita anual de US$ 9.000, mas é obrigada a manter em seus registros pessoas com ganho de R$ 77,88 por ano, de acordo com os dados da Secretaria Municipal de Assistência Social.

São considerados abaixo do nível de pobreza aqueles que sobrevivem com menos de um salário mínimo, conforme dados da ONU (Organização das Nações Unidas).

Dos 47 mil "excluídos" de Campinas, apenas 13.285 são beneficiados pelo Programa Renda Mínima da prefeitura _um dos 40 projetos na área social mantidos com verbas municipais, estaduais e federais.

Para mantê-los, a Secretaria Municipal de Assistência Social, que concentra o maior número de programas sociais, dispõe de uma verba anual que, desde de 99, não ultrapassa os 3,5% do Orçamento, além de uma contribuição de empresas e dos governos estadual e federal.

Para este ano, por exemplo, foram reservados à secretaria R$ 28, 8 milhões, de um total de R$ 861 milhões previstos no Orçamento 2002.

O dinheiro, contudo, não é utilizado somente em programas e ações sociais. Serve também para manter a estrutura da pasta.

O programa Renda Mínima, criado em 94, no governo do prefeito morto José Roberto Magalhães Teixeira, é o que mais despende verba da secretaria _são cerca de R$ 4,7 milhões por ano.

"O Grama, como era chamado Magalhães, tinha pavor de ver as pessoas passarem fome e tinha um senso social muito grande", lembra a socióloga e ex-coordenadora do extinto programa Campinas Saudável, Maria Erlinda Duckur Cassab, 55.

Queda
Os beneficiados pelo programa nunca tiveram a renda tão baixa.

Nos primeiros meses de implantação do Renda Mínima, logo em janeiro de 95, das 9.225 pessoas atendidas, 843 (9,1%) não tinha nenhum rendimento.

No mesmo mês deste ano, o percentual passou a ser de 21,8%. Do total de pessoas aptas a receber a complementação de renda, 2.898 têm renda zero.

"Faltam políticas que criem condições de emprego. Os recursos para os programas sociais de Campinas não são suficientes para dar autonomia à população de baixa renda nem acabar com a fome delas", avalia o padre da paróquia Jesus Cristo Libertador, Nelson Ferreira dos Santos.

Há 20 anos ele coordena trabalhos destinados às pessoas carentes (leia texto nesta página).

A secretária de Assistência Social de Campinas, Maria Soares de Camargo, é ainda mais incisiva ao admitir que faltam recursos e organizações para ampliar o número de atendimentos no setor social. "Acho que deveria haver uma política econômica que não onerasse tanto a assistência social, em que as pessoas pudessem ser mais autônomas e não precisassem tanto de nós", afirma.

Com o que há disponível, Campinas atende 20% das 10 mil famílias que vivem abaixo da linha de pobreza.

O índice não leva em consideração as ações sociais efetuadas por outras secretarias como a educação e a saúde, consideradas de direito universal.

No entanto o percentual de pessoas atendidas mostra o pouco avanço obtido pela cidade, que foi pioneira na implementação de programas voltados à população de baixa renda.

Campinas ainda convive com a fome, com pessoas sem habitação _são cerca de 35 mil, segundo dados oficiais_ sem acesso à educação, à saúde e condições mínimas de saneamento.

"Para ir ao postinho [centro de saúde], tenho de andar pelo menos meia hora", reclama Francisca, a mãe do garoto das cartas.

Há três meses, ela e o marido, que faz bicos como pedreiro, colocaram o barraco de apenas dois cômodos à venda. O preço: R$ 1.000. "Se eu conseguir vender, vou embora daqui [de Campinas]", revela a dona-de-casa.

"Em São Paulo, talvez eu consiga uma escolinha de futebol para o meu filho."
A situação dessas famílias será alvo de estudo em Campinas.

Um mapeamento de excluídos começa a ser realizado na próxima terça-feira.

É o mesmo levantamento que está sendo feito em Piracicaba e que Jundiaí concluiu, há quase cinco anos, projeto semelhante.

Por conta desse estudo, o prefeito Miguel Haddad (PSDB), de Jundiaí, conseguiu pontuar ações de combate à miséria ao rastrear, na cidade, 9,1 mil pessoas com renda exígua.
 

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