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11/01/2003 - 06h58

Artigo: Declaração de namoro: ato válido

REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA
especial para a Folha Online

Tem sido polêmica nos últimos tempos a questão atinente ao chamado "contrato de namoro". Este debate é aceitável no âmbito social, mas nos meios jurídicos a questão é de fácil solução.

Primeiramente, deve-se esclarecer que não se trata de contrato. O contrato é negócio jurídico que cria, modifica ou extingue direitos e obrigações (arts. 421 e seguintes do novo Código Civil), que não existem numa relação de namoro.

O namoro é ato da vida social, sem repercussões jurídicas, embora com reflexos afetivos e emocionais.

Assim, o ato pelo qual duas pessoas afirmam que namoram e ainda não constituíram família é mera declaração, que pode ser realizada por meio de documento particular ou público, na presença de duas testemunhas que confirmam o fato declarado (art. 107 do novo Código Civil).

No entanto, não se pode desvirtuar a finalidade daquela declaração. Ela somente é válida se retratar a realidade, de simples namoro, sem constituição de família.

Se assim for, não se trata de ato ilícito, como tem sido afirmado, porque a declaração em tela não viola direito e não causa dano a outrem (art. 186 do novo Código Civil). Bem ao contrário, tem em vista precisamente evitar que de um namoro possam advir danos, caso um dos partícipes desta relação queira locupletar-se indevidamente em seu término.

Isto porque o namoro, especialmente dentre pessoas adultas, pode ser facilmente confundido com a união estável, em razão da interpretação que tem sido realizada, segundo a qual na união estável não é exigida a convivência more uxorio ou moradia comum (vide Súmula 382 do STF; Lei nº 9.278/96, art. 1º; e art. 1.723 do novo Código Civil). Esta interpretação, embora discutível, procura embasar-se nos requisitos legais da constituição de união estável, que não incluem expressamente a convivência sob o mesmo teto. Estabelece a legislação sobre a matéria que "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

Muito embora, segundo aquela interpretação, não seja exigida convivência como se casados fossem para que se configure a união estável, os companheiros têm praticamente os mesmos direitos e deveres oriundos do casamento. Vigora na união estável, salvo pacto escrito em contrário, o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do novo Código Civil), há direito à pensão alimentícia, desde que preenchidos os requisitos da possibilidade do prestador e da necessidade do beneficiário (art. 1.724 do novo Código Civil), dentre outros.

Além disto, a união estável não tem um marco inicial, como existe no casamento, cuja celebração é objeto de registro público.

De um namoro pode ou não advir uma união estável, cujo início, salvo se existir um pacto escrito, é de dificílima apuração. A título de exemplo, ao considerar-se a nota de compra de alianças como prova da data inicial de uma união estável, olvida-se que namorados também trocam estes anéis.

Pois bem, a relação de namoro pode ser confundida com uma união estável, sendo que esta confusão gerará a aplicação indevida de efeitos patrimoniais e pessoais a um ato que não deveria ter repercussão jurídica.

Daí origina-se a relevância da declaração de namoro, que define a real situação vivenciada pelos participantes desta relação e é perfeitamente válida perante nosso ordenamento jurídico.

Desde que seja firmada com a finalidade de refletir em documento escrito a realidade, resguarda direitos e não causa qualquer dano.

Enfim, a declaração de namoro pode ser firmada em documento particular ou público, na presença de duas testemunhas que confirmem este fato, lembrando-se que quem não tem más intenções não deve recusar a prática de um ato lícito, que simplesmente retrata a realidade.

REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA é advogada, mestre e doutora em direito pela USP

Leia mais: no especial Código Civil
 

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