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13/01/2003 - 04h09

Uso de nomes reais é criticado

da Folha de S.Paulo

A velha-guarda e os adultos que vivem há mais de 20 anos na Cidade de Deus dizem que o filme está equivocado naquilo que leva ao grande público.

Os moradores afirmam que os elementos de maior impacto do filme-para eles, os mais degradantes- não são verdadeiros. O mais grave, segundo eles, é o uso de nomes reais de pessoas que tiveram atribuídas a suas trajetórias ações e até crimes que não teriam cometeram, como o aliciamento de menores para o tráfico.

Jorge (nome fictício), 45, ex-comparsa de Zé Pequeno, garante que metade do enredo é "mentiroso". "Nunca houve esse negócio de dar tiro em mão de criança. Eu, que trabalhei com ele por dois anos, posso dizer que Zé Pequeno não era estuprador, não cheirava cocaína nem morreu cheio de tiros dados por menor [de idade]."

O líder comunitário Jorge Vilela, 42, e o presidente da União Comunitária da Cidade de Deus, José Neves, 75, atentam para o uso de crianças no filme. "Essa história de menor no tráfico é recente. Zé Pequeno e Mané Galinha nem deixavam as crianças chegarem perto das bocas", critica Neves.

A antropóloga Alba Zaluar, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Unicamp, confirma: "Durante minhas pesquisas, nunca vi criança de dente de leite com arma. E mais, não foi o Zé Pequeno quem matou todas aquelas pessoas dentro de um motel. Foi outro entrevistado da pesquisa".

"Cidade de Deus" não é um documentário, mas uma ficção baseada no romance homônimo do escritor Paulo Lins, ex-morador da Cidade de Deus. O livro de Lins, por sua vez, foi fundamentado em uma pesquisa de Alba Zaluar e do próprio Paulo Lins.

Durante a transformação do estudo em livro e do livro em roteiro de cinema, as vidas dos personagens foram romanceadas, segundo o próprio Lins. "Fiz uma narrativa baseada na realidade. Mas ela não é a realidade", afirma.

Zaluar conta que, quando orientou Lins, pediu que ele não usasse nomes verdadeiros no livro. Ela diz que, ao ver o filme com os nomes reais, se sentiu, de certa forma, responsável pelas consequências que aquilo traria à comunidade. "Só um dos principais personagens teve o codinome do livro mantido no roteiro. E foi justamente o único sobrevivente daquela guerra, Ailton Batata, que aparece no livro e no filme como Sandro Cenoura."

Dona Ba, 62, figura conhecida da Cidade de Deus, diz ter aberto um processo há quatro meses contra Paulo Lins. "Encontrei nove páginas dizendo que eu era prostituta dona de um bordel. Já fiz muita coisa errada, mas nunca fui prostituta", afirma.

"Meu filho era errado mesmo, infelizmente. Mas não era o monstro que pintaram no filme", diz a mãe de Zé Pequeno.

O desembargador Demóstenes Braga, 62, do Tribunal de Justiça de SP, afirma que um obra ficcional deve poupar os nomes reais dos personagens em que se baseia. "Se o filme nomeia as pessoas e atribui a elas crime ou conduta desonrosa, está praticando um crime", diz.

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