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06/08/2000 - 09h50

Troca de trens: "Nunca vi isso, não volto nunca mais"

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da Folha de S.Paulo

O fresador Valdir Correia de Mendonça, 45, tornou-se usuário dos trens da CPTM em 1996. Para se deslocar até o trabalho, em Socorro (zona sul de São Paulo), chegava à estação de Osasco às 5h50. "Eu era pontual, mas o trem nunca saía na hora."

Mesmo assim, deixava o Fusca 1976 na garagem de sua casa, em Santana do Parnaíba (Grande São Paulo), para evitar gastos com combustível.

Quatro anos depois, o motivo que faz Mendonça usar os trens da linha Sul (Osasco-Jurubatuba) é outro: "É rápido, não passo aperto, é muito bom". O ar-condicionado e a música ambiente também são alguns atrativos.

Ele aceitou fazer uma viagem na linha Noroeste (Francisco Morato-Barra Funda) um dia depois de receber aviso de demissão. "Vou continuar trabalhando na mesma empresa, mas estarei sem carteira assinada."

Depois de passar por 12 estações, em uma hora e meia de tumulto na linha que registrou um acidente com nove mortos no último dia 28, Mendonça desabafou: "Se eu tivesse que pegar esse trem todos os dias, já tinha pedido demissão. Nem iria esperar a empresa me dar um aviso".

Na chegada à estação de Francisco Morato, às 6h15, Mendonça estranha a fila de 20 pessoas formada para a entrega do bilhete do trem. "Tanta gente e só uma catraca. A fila forma aqui fora, rapaz. Como é que pode?"

A espera para entrar na composição não reserva surpresas. "A estação está cheia, mas não muito", diz o fresador, que também já esperava o empurra-empurra para ver quem entra primeiro.

O trem parte às 6h30 e, coincidentemente, Mendonça apóia-se bem ao lado de uma janela com os vidros quebrados. "Olha ali", aponta. Ele aproveita para comentar o vento frio que atinge os usuários. "Se tivesse ar-condicionado como o de lá, as janelas não poderiam ficar abertas."

Sem esperanças de descansar as pernas, o fresador afirma que uma vantagem na linha Sul é que "dá para ir sentado pelo menos por algumas estações". "Para quem trabalha dez horas por dia em pé, é um alívio conseguir assento no transporte."

Antes de chegar à estação Baltazar Fidélis, a primeira após a saída de Francisco Morato, Mendonça comenta o balanço da composição. "Os dormentes devem estar podres. Lá é tudo novinho, o trem nem se mexe."

A viagem segue sem incidentes até a chegada à estação Perus, às 7h05. Segundos antes de a porta se abrir, um jovem que observava o discurso de Mendonça alerta: "Agora o bicho começa a pegar".

Não é para menos. O tumulto provocado pelos passageiros que disputam a entrada no trem assusta o fresador. Ele presta atenção na reação de uma senhora que, revoltada com os empurrões, tenta bater com uma sacola nas costas de um homem.

Quando as portas se fecham, ninguém mais consegue mexer os braços. "Estou com uma mão no bolso. A outra está segurando a barra", afirma Mendonça.

Ninguém desce da composição nas próximas estações. Para romper o silêncio dos demais viajantes, Mendonça puxa assunto com outros passageiros. Fica sabendo que a viagem está sossegada. "Eles estão dizendo que à tarde é pior."

Na estação Barra Funda, onde quase todos descem, às 7h40, o fresador suspira aliviado. "Nunca vi isso. Não volto nunca mais." Em voz baixa, um passageiro comenta com o repórter: "Ele ainda deu sorte. Desta vez o trem não quebrou".

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