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25/01/2003
-
09h22
da Folha de S.Paulo
Sabotage sabia claramente que era um sobrevivente do Vietnã que avança pela periferia de São Paulo. Vivia repetindo: "Foi o rap que me salvou. Todos os meus primos, meus tios, meus amigos, é tudo traficante. Eles me davam dinheiro para eu não traficar. Não queriam que eu caísse nessa vida". Exibia sua escapada do tráfico como uma medalha de guerra: "Consegui", era o subtexto, "porque tenho talento".
Os tios de Sabotage, segundo o rapper e ator, traficavam na favela do Buraco Quente, no Brooklyn (zona sul de São Paulo). Ele contava, sem qualquer constrangimento, que havia sido "avião", o garoto que leva a droga até os "playboys", como os chamava, que paravam seus carros na favela.
Dizia que passou pela Febem (Fundação para o Bem-Estar do Menor) e que ficou preso por oito meses num distrito porque os policiais sabiam que seus tios comandavam o tráfico na favela.
Mostrava uma queimadura em forma de colher no braço, que policiais teriam feito para que entregasse seus parentes. Dizia ter suportado a tortura em silêncio. Sabotage contava que só não foi parar no Carandiru porque deu dinheiro aos policiais.
Em 2002, ele voltaria ao presídio em outra condição -como figurante de "Carandiru", filme de Hector Babenco baseado no livro de Drauzio Varella, com lançamento previsto para abril.
O rapper conhecia o Carandiru com certa intimidade -Monarca, um dos presos mitológicos de lá, era seu tio e estava encarcerado desde 1973, ano em que o músico nasceu.
Sabotage não era um figurante qualquer. Após o lançamento de "O Invasor", de Beto Brandt, tornara-se uma daquelas promessas que todos torcem para dar certo por razões que extrapolam a mística envolta em todo miserável que escapa do círculo da miséria: seu talento, sobretudo como cantor e compositor, era cristalino.
Conseguia fascinar desde os Racionais MCs, que bancaram o primeiro CD de Sabotage, até músicos mais experimentais, como Rica Amabis e o coletivo chamado Instituto.
No CD do Instituto, lançado no ano passado, Sabotage criou um híbrido de rap e samba que soava natural, como se o ritmo do samba já trouxesse de berço as linhas faladas do rap.
Sabotage encantava pela sinceridade. Durante as filmagens de "Carandiru", Hector Babenco compôs um rap junto com ele. Quando lhe perguntavam sobre o resultado, dizia que tinha ficado "legal", sem muito entusiasmo. Ao explicar as razões do desânimo, ele não vinha com evasivas: "Tem umas palavras aí na parada que eu não tô sabendo".
Leia mais:
Polícia investiga envolvimento de desafeto em morte de rapper
Rapper Sabotage dizia ter sido salvo do tráfico pelo rap
MARIO CESAR CARVALHOda Folha de S.Paulo
Sabotage sabia claramente que era um sobrevivente do Vietnã que avança pela periferia de São Paulo. Vivia repetindo: "Foi o rap que me salvou. Todos os meus primos, meus tios, meus amigos, é tudo traficante. Eles me davam dinheiro para eu não traficar. Não queriam que eu caísse nessa vida". Exibia sua escapada do tráfico como uma medalha de guerra: "Consegui", era o subtexto, "porque tenho talento".
Os tios de Sabotage, segundo o rapper e ator, traficavam na favela do Buraco Quente, no Brooklyn (zona sul de São Paulo). Ele contava, sem qualquer constrangimento, que havia sido "avião", o garoto que leva a droga até os "playboys", como os chamava, que paravam seus carros na favela.
Dizia que passou pela Febem (Fundação para o Bem-Estar do Menor) e que ficou preso por oito meses num distrito porque os policiais sabiam que seus tios comandavam o tráfico na favela.
Mostrava uma queimadura em forma de colher no braço, que policiais teriam feito para que entregasse seus parentes. Dizia ter suportado a tortura em silêncio. Sabotage contava que só não foi parar no Carandiru porque deu dinheiro aos policiais.
Em 2002, ele voltaria ao presídio em outra condição -como figurante de "Carandiru", filme de Hector Babenco baseado no livro de Drauzio Varella, com lançamento previsto para abril.
O rapper conhecia o Carandiru com certa intimidade -Monarca, um dos presos mitológicos de lá, era seu tio e estava encarcerado desde 1973, ano em que o músico nasceu.
Sabotage não era um figurante qualquer. Após o lançamento de "O Invasor", de Beto Brandt, tornara-se uma daquelas promessas que todos torcem para dar certo por razões que extrapolam a mística envolta em todo miserável que escapa do círculo da miséria: seu talento, sobretudo como cantor e compositor, era cristalino.
Conseguia fascinar desde os Racionais MCs, que bancaram o primeiro CD de Sabotage, até músicos mais experimentais, como Rica Amabis e o coletivo chamado Instituto.
No CD do Instituto, lançado no ano passado, Sabotage criou um híbrido de rap e samba que soava natural, como se o ritmo do samba já trouxesse de berço as linhas faladas do rap.
Sabotage encantava pela sinceridade. Durante as filmagens de "Carandiru", Hector Babenco compôs um rap junto com ele. Quando lhe perguntavam sobre o resultado, dizia que tinha ficado "legal", sem muito entusiasmo. Ao explicar as razões do desânimo, ele não vinha com evasivas: "Tem umas palavras aí na parada que eu não tô sabendo".
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