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22/06/2003 - 03h39

Região da Frei Caneca vira "point" GLS

MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S.Paulo

O corretor de imóveis J.C.S., 27, descobriu que a velocidade das vendas de um prédio na rua Frei Caneca, na região central de São Paulo, duplicava quando fazia propaganda não em supermercados e academias de ginástica, como sempre fez, mas em bares, boates e saunas gays.

O sucesso da estratégia do corretor tem uma razão simples: a região da Frei Caneca converteu-se numa área GLS (iniciais de gay, lésbica e simpatizantes), cujo epicentro é o shopping homônimo e se estende até a avenida Paulista e parte dos Jardins. Na subcultura GLS, em que tudo e todos têm apelido, o shopping virou "Gay" Caneca ou Frei "Boneca".

Mais do que ponto de encontro, o shopping impulsionou um "boom" imobiliário na região: depois que foi anunciada a sua construção, no início do ano 2000, foram lançados 43 projetos imobiliários num raio de até dez minutos a pé em torno do centro comercial. Desses, só cinco não estão prontos, segundo pesquisa da administração do shopping.

"A gente não tem preconceito, mas eu nunca tinha visto uma clientela como essa: mais da metade dos compradores são gays ou travestis", diz outro corretor, M.L.G., 34. Outros quatro corretores entrevistados pela Folha têm uma estimativa parecida, de que cerca da metade dos novos moradores são GLS.

Mais liberdade

Não é novidade que shoppings quase sempre provocam uma explosão imobiliária. Também não há nada de novo no fato de gays morarem no centro de São Paulo -isso ocorre pelo menos desde o final do século 19, segundo o historiador americano James Green, autor do livro "Além do Carnaval", sobre a história da homossexualidade masculina no Brasil.

Àquela época, eles frequentavam a região do vale do Anhangabaú; depois, foram migrando para a praça da República e para a Vieira de Carvalho, onde vivem até hoje.

A psicóloga Adriana Nunan, 27, que faz doutorado sobre preconceito contra gays, diz que é comum que pessoas com o mesmo estigma se juntem para viverem longe dos preconceitos mais comezinhos. Foi o que ocorreu no Village, em Nova York, em bairros de San Francisco ou em parte de Ipanema, no Rio. "O positivo desses lugares é que eles significam mais liberdade. Ali, eles fazem coisas que não fariam em outra parte da cidade", diz.

O que está ocorrendo na Frei Caneca é um fenômeno duplo: 1) como há muitos gays, há mais aceitação de comportamentos que não são aceitos por todos, como dois homens andando de mãos dadas; 2) com a construção de prédios mais caros e a vinda de moradores com um pouco mais de dinheiro, o perfil da região está mudando.

A Frei Caneca, paralela à rua Augusta, é um corredor de ligação entre uma área mais degradada, próxima ao centro, e a avenida Paulista. A porção mais pobre é ocupada há duas décadas, pelo menos, por travestis, prostitutas e gays --é o lado mais selvagem da rua. A inauguração do shopping, em maio de 2001, trouxe uma população diferente para a área.

Mais dinheiro

"A Frei Caneca mudou", diz Celina Oliver, 24, "a miss São Paulo" dos travestis, como ela anuncia. "Agora, só vem bicha rica para cá." Os lançamentos imobiliários justificam a impressão de Celina: apartamentos com um dormitório na região custam cerca de R$ 100 mil; os de dois, chegam a R$ 150 mil. Os gays que compram são de classe média, segundo os corretores.

O perfil dos frequentadores do shopping confirma a impressão de mudança. Eles têm idade média de 32 anos e renda familiar de R$ 4.900 (a média na cidade é de R$ 1.900); 65% têm curso superior, 60% têm computador em casa e 36% são solteiros.

A frequência ao shopping mostra o crescimento por que passa a região. Em maio de 2001, foram 280 mil visitantes; dois anos depois, esse número chegou a 553 mil --um crescimento de 97,5%. Por conta desse aumento, o shopping será ampliado.

É óbvio que essa frequência não é só GLS, mas o perfil do shopping ajuda a explicar a escolha dessa tribo. O Frei Caneca tem umas das melhores salas de cinema de São Paulo, exposições de fotos e uma escola de teatro, entre outras atrações culturais.

"O nosso shopping não é GLS nem é um shopping cultural, mas nós fomos escolhidos por esse público por causa da cultura, sobretudo pelo cinema. Esse pessoal é muito sensível e tem bom gosto", diz Wilson Belizaro, 49, superintendente do shopping.

Marconi, 23, um estudante de cursinho que se define como simpatizante de gays e lésbicas, diz que mudou para a região em busca da comodidade de viver perto de cinema e escola, mas também para fugir do preconceito que enfrentava na zona leste. "No Tatuapé, não dá para levar uma vida normal", reclama.

A publicitária Angelina Ogato, 22, diz que a tribo GLS gosta da Frei Caneca porque ali não precisa se esconder. "Você já viu dois homens de mãos dadas no Pão de Açúcar ou no Extra? No supermercado daqui você vê quase todo dia", exemplifica.

Esse tipo de região tem seus riscos, segundo a psicóloga Adriana Nunan. A área pode virar um gueto, com todas as implicações negativas que isso significa: isolamento, ilusão de liberdade e falta de trocas com o resto da cidade. "A reunião de grande número de gays numa única área é uma fase de quase toda cidade e mostra que lá há tolerância." A existência de um enclave gay, porém, expõe a persistência da intolerância. O ideal, segundo ela, é que ruas como a Frei Caneca pudessem existir em qualquer lugar da cidade.

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