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01/10/2003 - 09h10

Artigo: A vingança do pianista

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GILBERTO DIMENSTEIN
Colunista da Folha de S.Paulo

Depois de perder as duas mãos, o pianista João Carlos Martins, um dos mais famosos intérpretes de Bach, acabou descobrindo harmonia na Febem. "Estou dando novo significado à minha vida."

Sua vida tinha mesmo tudo para perder o sentido. Num roteiro digno daqueles inverossímeis filmes de bruxaria, uma espécie de maldição abateu-se sobre a mão direita do pianista. Os dedos foram, aos poucos, quase em câmara lenta, perdendo o movimento. Mas ele não desistiu: imergiu em infindáveis ensaios para executar obras apenas com a mão esquerda e voltou aos palcos diante de platéias perplexas.

O pior estava por vir, como se a maldição não se desse por satisfeita. Um tumor inutilizou, neste ano, também a sua mão esquerda. "Não sobrou nada", resigna-se. Impedido de tirar melodias das teclas, ele tenta aprender a viver em harmonia com a música.

Depois de assumir a direção de uma faculdade de música, o pianista das mãos irrecuperáveis resolveu reger pessoas tidas, por muitos, como integralmente irrecuperáveis --e cujas mãos serviram para esmurrar. Passou a dar aulas a adolescentes da Febem. "É incrível o prazer de vê-los descobrindo os sons e, com isso, descobrindo a si mesmos."

Para que se conheçam e se valorizem, os adolescentes são ensinados, nas primeiras aulas, a tirar sons do próprio corpo, tão acostumados a bater e a apanhar. "Eles aprendem que a música está em qualquer lugar, a começar de si próprios", diz João Carlos Martins, que, entusiasmado com a experiência, procura talentos perdidos.

Como é um óbvio roteiro cinematográfico, a maldição das mãos de João Carlos Martins acabou mesmo virando filme --mas totalmente verossímil, sem nada de ficção. Para o começo do próximo ano, está previsto que entre em circuito comercial nos Estados Unidos e na Europa um documentário sobre a luta desesperada de João Carlos Martins.

Com a ajuda do maestro Julio Medaglia, João Carlos Martins estuda quatro horas por dia e quer voltar aos palcos, desta vez como regente. Se já não prestam para tirar as notas do piano, os dedos conseguem, pelo menos, segurar a batuta --a doce vingança contra a "maldição". Foram-se as mãos, ficou a música.
 

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